sexta-feira, 28 de dezembro de 2012

Aforismo 575. Aurora.


Reunião do dia 07 de Dezembro de 2012

Com essa postagem encerramos a leitura de Aurora, mas antes de começar a falar sobre o aforismo vamos nos recordar do que foi dito em nossa primeira reunião.
“As primeiras anotações do que viria a ser Aurora foram feitas no início de 1880, quando Nietzsche se achava em Riva del Garda, no Norte da Itália. Depois prosseguiram em Veneza, porém, foi apenas em Gênova, no inverno de 1880-81, que elas tomaram forma de livro. Gênova, terra de Cristóvão Colombo. Será que assim como Colombo não estava o próprio Nietzsche navegando em busca de novos horizontes? Novas ideias? Novas auroras?”

Assim como começa o livro trazendo essa expectativa sobre novas auroras, novas terras por conhecer, Nietzsche encerra seu livro novamente usando tais imagens, mas dessa vez com outro tom, podemos notar isso analisando seu último aforismo.


Aforismo 575 – Nós, aeronautas do espírito!

“Todos esses ousados pássaros que voam para longe, para bem longe – é claro! em algum lugar não poderão mais prosseguir e pousarão num mastro ou num recife – e ainda estarão agradecidos por essa mísera acomodação! Mas quem poderia concluir que à sua frente não há mais uma imensa via livre, que voaram tão longe quanto é possível voar?”


Como sabemos a filosofia madura de Nietzsche começam a tomar corpo em A Gaia Ciência (1882), mas é seguro afirmar que seus germes já estão presentes em Aurora (1881). Temas como a morte de Deus e eterno retorno podem ser encontrados nesse aforismo que estamos trabalhando. A falta de referenciais e o voar eternamente nos deixam pistas disso. No encontro realizado em 2012 do GIRN, Grupo Internacional de Investigação sobre Nietzsche, que teve como foco a obra Aurora tal constatação foi unânime, aqui Nietzsche ainda não tem uma forte tomada de posição, mas já existe um aprimoramento de seus conceitos, uma movimentação.


Interessante chamar a atenção para o fato de que juntamente com A Gaia Ciência, Aurora é tida por Nietzsche como sua obra mais pessoal e a que lhe era mais simpática. Cito uma nota do posfácio de Paulo César de Souza:


 “Numa carta que enviou à sua irmã em Julho de 1881, recomendou-lhe que o lesse de um ponto de vista pessoal, algo que desaconselhava para outros leitores. E que lesse principalmente o livro V onde há ‘muita coisa entre as linhas’. Em aparente contradição a ele, acrescentemos uma recomendação àquela que faz no final do prólogo: não apenas o leiam devagar, mas também nas entrelinhas, buscando o que é pessoal-universal – pois ás vezes esses dois objetivos não se excluem”.


Sabemos que em Aurora Nietzsche deixa transparecer suas vivências e suas experiências, tema esse que vira tema de alguns aforismos que navegam contra a concepção de alguns filósofos como Kant, por exemplo, que faz questão de tentar excluir todo seu lado pessoal em seus escritos, Nietzsche por outro lado, faz o oposto. Se nos recordarmos desse fato, fica um pouco mais clara a interpretação de todo o aforismo, aqui o filósofo se faz presente.


Voltemos então para o aforismo:


“Todos os nossos grandes mestres e precursores param, afinal, e não é com o gesto mais nobre e elegante que a fadiga se detém: assim também será comigo e com você! Mas que importa a mim e a você! Outros pássaros voarão adiante!”


Com essas palavras podemos perceber novamente por onde Nietzsche caminha na concepção de sujeito, “que importa a mim e a você”, o que importa é a tarefa que será realizada.


“Esta nossa ideia e crença porfia em voar com eles para o alto e para longe, sobe diretamente acima de nossa cabeça e de sua impotência, às alturas de onde olha na distância e vê bandos de pássaros bem mais poderosos do que somos, que ambicionarão as lonjuras que ambicionávamos, onde tudo é ainda mar, mar e mar! – E para onde queremos ir, então? Queremos transpor o mar? Para onde nos arrasta essa poderosa avidez, que para nós vale mais que qualquer desejo? Por que justamente nessa direção, para ali onde até hoje todos os sóis da humanidade se puseram nós, rumando para o Ocidente, esperávamos alcançar as índias – mas que nosso destino era naufragar no infinito? Ou então, meus irmãos? Ou?”


Onde afinal queremos pousar nós que voamos? Podemos ler no decorrer do aforismo que Nietzsche ressalta três possibilidades, uma seria navegar eternamente ao infinito, outra seria aportar e uma terceira seria “naufragar”. E como já comentamos, faz novamente referência a Colombo dando margem à associação feita em nossa primeira postagem, aqui mencionada.


Nietzsche finaliza os escritos de Aurora, já anunciando o Zaratustra, com uma imensidão de perguntas que só serão respondidas em A Gaia Ciência, que será escrito em 1883/85. O nome Zaratustra é um dos muitos trocadilhos presentes no livro e se refere mais claramente à imagem do Sol vindo além do horizonte ao amanhecer, como a simples noção de vitória. Além dessa nova aurora em Zaratustra encontramos também a famosa frase “Deus está morto”, apesar desta também aparecer anteriormente em A Gaia Ciência. Olhando dessa forma, não estão essas três obras em uma mesma sincronia?


Concluo o resumo chamando a atenção para alguns detalhes de Aurora e recorro ao posfácio para tal, indico sua leitura na integra devido ao fato de o mesmo estar inserido no livro e trazer pontos relevantes para discussão, no entanto gostaria de frisar que Paulo César de Souza não é um comentador e sim um tradutor, de qualquer forma a leitura de seu posfácio é indicada como leitura complementar.


“Tomando a tradicional divisão da obra de Nietzsche em três períodos, este livro se inscreve no período intermediário ou “positivista”, inaugurado por Humano, demasiado humano (1878). No entanto, algo que o diferencia deste e de seus dois complementos, Opiniões e sentenças várias (1879) e O Andarilho e sua sombra (1880), e que representa mais um passo na libertação da influência de Wagner e Schopenhauer, é a ênfase dada por Nietzsche à “paixão do conhecimento”. Essa nova paixão é entendida, num plano universal, como o impulso em que a humanidade mesma sacrifica-se em prol do conhecimento (cf. seções 45 e 429), algo que o autor viria a chamar de “vontade de verdade” (Além do bem e do mal, aforismo 1).”


O que será que nos aguarda a sequência de Aurora?

domingo, 9 de dezembro de 2012

Reunião do dia 14 de Dezembro de 2012

Convidamos todos para nosso último encontro de 2012 do Grupo de Estudos Nietzsche da UFPel que acontecerá na Sexta-Feira, dia 14 de Dezembro. 

Horário: 17h
Local: Departamento de Filosofia, sala 212.

Vamos encerrar o estudo da obra Aurora com a leitura do texto de Marco Brusotti intitulado

Tensão: Um conceito para o grande e o pequeno 

Vale ressaltar que iremos nos ater as primeiras partes do artigo (35-46), segue o link: 





quarta-feira, 28 de novembro de 2012

Reunião do dia 23 de Novembro de 2012

Aforismo 560 - O que somos livres para fazer.

Nesse aforismo Nietzsche nos oferece três formas de lidar com os impulsos, a primeira opção está descrita na seguinte passagem:

“Pode-se lidar com os próprios impulsos como um jardineiro, e, o que poucos sabem, cultivar os germens da ira, da compaixão, da ruminação, da vaidade, de maneira tão fecunda e proveitosa como uma bela fruta numa latada. Pode-se fazer isso com o bom ou mau gosto de um jardineiro, e como que ao estilo francês, inglês, holandês ou chinês;”

O que o ser humano é capaz de fazer com os próprios impulsos? Teríamos nós controle sobre eles ou eles sobre nós? Assim como o filósofo afirma, podemos lidar com os impulsos com “o bom ou o mau gosto”, porém, “poucos sabem” como manipular impulsos de maneira proveitosa e de uma forma que torne possível o surgimento de bons frutos mesmo quando suas sementes sejam aparentemente infrutíferas. Quando nos deparamos com a ira, por exemplo, imaginamos que dela só é possível nascer frutos infecundos, mas será?

Em seguida oferece uma opção intermediária descrita na seguinte passagem:

“pode-se também deixar a natureza agir e apenas providenciar aqui e ali um pouco de ornamentação e limpeza”, uma possibilidade seria deixar que natureza manifeste-se nessas sementes (em nossos impulsos), mantendo o cuidando de ornamenta-las e limpá-las quando necessário.

Em oposição à primeira opção Nietzsche nos oferece a terceira possibilidade de lidar com os impulsos descrevendo da seguinte forma:

“Pode-se, enfim, sem qualquer saber e reflexão, deixar as plantas crescerem entre si até o fim”, ou seja, permitir que a compaixão, ou a vaidade, por exemplo, brotem e cresçam, chegando até onde podem chegar, “sem qualquer saber e reflexão”.

Em seguida ele escreve:

“Pode-se mesmo ter alegria com esta selva e querer justamente essa alegria, ainda que traga também aflição.”

Aceitar com alegria os frutos gerados por essas sementes, aceitar a condição dos impulsos enquanto dominadores e saber utilizá-los a nosso favor, como nossos aliados, não fugir de nossa natureza, não negá-la, nem a combater, mas saber cultiva-la como um bom jardineiro.

O que Nietzsche quer dizer com essas palavras? Ele está mesmo falando que temos a capacidade de “ter alegria com esta selva”? Que podemos ter alegria dessa maneira? Como nós, seres racionais, podemos ter alegria perante o fato de não estarmos, afinal, no controle de nosso próprio corpo? De nossos impulsos? Nosso filósofo, como de costume, não nos trás respostas prontas, mas nos da à possibilidade de refletir sobre pontos até então tomados como concretos e escreve:

“Tudo isso temos liberdade para fazer; mas quantos sabem que temos essa liberdade? Em sua maioria, as pessoas não creem em si mesmas como em fatos inteiramente consumados? Grandes filósofos não imprimiram sua chancela a este preconceito, com a doutrina da imutabilidade do caráter?”.

A doutrina da imutabilidade do caráter é outro ponto relevante que foi discutido no decorrer do tempo de maneira equivocada e Nietzsche faz questão de mostrar sua posição contrária à concepção tradicional de sujeito em todo o decorrer do livro. Para finalizar esse aforismo, deixo aberto para reflexão o que exatamente nosso filósofo nos propõe, o que somos livres para fazer afinal? Será que o sujeito é algo fixo? Imutável?

Aforismo 572 – A vida deve nos tranquilizar.
Aforismo 566 – Viver Barato.

“Quando alguém, como o pensador, vive habitualmente na grande corrente do pensar e sentir, e mesmo nossos sonhos noturnos seguem essa corrente: então se deseja tranquilidade e silêncio da vida – enquanto outros querem justamente repousar da vida, ao entregar-se à meditação”. §572

A meditação não seria exatamente não refletir? Para Schopenhauer, por exemplo, a meditação, assim como a arte, é uma ferramenta para não participar da vida, uma forma de se ausentar do mundo, de estar exatamente em repouso da mesma. O pensador não seria o oposto disso? Aquele que se entrega aos pensamentos?  Aquele que mesmo em seus momentos de repouso ainda sim se encontra ligado à vida?

No aforismo 566 Nietzsche descreve a forma de viver do pensador como “barata e inofensiva”, deixando em relevo o papel da solidão para que tais características se tornem reais, uma vez o pensador estando afastado não pode ele desejar mais do que se necessita. Ele satisfaz suas necessidades mais simples, como comer e dormir. Seu prazer não exige vias caras de acesso e “ele se contenta facilmente”. Uma vez envolto pela solidão, o pensador é capaz, por exemplo, de se desfazer de sentimentos como o remorso. Em outras palavras, ele leva a vida de maneira mais simples e livre.

Sobre a solidão do pensador Nietzsche escreve:

“ele não precisa de companhia, exceto de quando em quando, para depois abraçar ainda mais ternamente sua solidão; ele encontra nos mortos substitutos para pessoas vivas e mesmo para amigos: ou seja, nos melhores que jamais viveram. –”. §566

O que pode ser mais barato do que ter que se preocupar somente com as necessidades do próprio corpo? O que pode ser mais inofensivo do que estar sozinho? Em doses homeopáticas, ter uma boa companhia, a companhia dos melhores pode ser uma possibilidade.

Conclui o aforismo com as seguintes palavras:

“Considerem se não são estes os hábitos e desejos opostos aos que tornam a vida humana custosa e, portanto, árdua, frequentemente insuportável. – É certo que, em outro sentido, a vida do pensador é a mais custosa – nada é bom demais para ele; e privar-se justamente do melhor seria, no caso, uma privação insuportável.” §566

O que então seria mais insuportável? Viver de forma tão intensa ou não conseguir sentir nada afinal? Uma possibilidade é possuir serenidade perante ambas as situações, nas de extrema alegria e nas de extrema infelicidade.

Não é de se estranhar que os pensadores desejem tranquilidade e silêncio da vida, mas isso não necessariamente implica em se ausentar da mesma.

sexta-feira, 23 de novembro de 2012

Aforismos 539, 547 e 548. Aurora

Nosso blog tem como um dos objetivos abrir uma via de comunicação entre professores, alunos, estudantes e interessados pela filosofia de Nietzsche não só dentro da Universidade Federal de Pelotas como em qualquer lugar do Brasil. Achamos fundamental existir a possibilidade para disseminar interpretações exteriores sobre os temas que estamos abordando, portanto hoje vamos trazer a análise do professor André Martins acerca dos últimos aforismos estudados em nossas reuniões.

André Martins é filósofo e psicanalista, professor Associado da UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro), vice-coordenador do Programa de Pós-Graduação em Filosofia da mesma universidade, Doutor em Filosofia pela Université de Nice, Doutor em Teoria Psicanalítica pela UFRJ, com Pós-Doutorado Sênior em filosofia pela Université de Provence; professor visitante das Universidades de Reims e Amiens; membro do Círculo Psicanalítico do Rio de Janeiro e do Espace Analytique de Paris; coordenador do SpiN-UFRJ (Grupo de Pesquisas Spinoza e Nietzsche); autor de Pulsão de morte? Por uma clínica psicanalítica da potência (Ed.UFRJ, 2009) e organizador de O mais potente dos afetos. Spinoza e Nietzsche (Martins Fontes, 2009) e de As ilusões do eu. Spinoza e Nietzsche (Civilização Brasileira, 2010). Sua ultima organização foi Spinoza et la psychanalyse” (Ed. Hermann, Paris, 2012).

Resumo da reunião do dia 09 de Novembro de 2012

Aforismo 539 – Vocês sabem o que querem?

Trazemos de início algumas passagens do aforismo para que possam melhor compreender o que será dito:

“Nunca os torturou tanto o medo de ser completamente inaptos para reconhecer o que é verdadeiro? O medo de seu tino ser muito obtuso, de mesmo a sensibilidade da visão ainda ser muito grosseira? Se notarem que tipo de vontade governa por trás de sua visão?”

“Oh, vergonhosos desejos! Como vocês frequentemente buscam o que produz efeito forte e o que tranquiliza – porque estão cansados. Sempre com ocultas predeterminações de como deveria ser a verdade, para que vocês pudessem aceitá-la.”

“Não se requer calor e entusiasmo para fazer justiça a uma coisa do pensamento? – e justamente isso é ver! Nesse trato há a mesma moralidade, a mesma probidade, as mesmas segundas intenções, a mesma frouxidão, o mesmo temor – o seu amável e odioso Eu!”

“Seus cansaços físicos darão cores cansadas às coisas, suas febres os tornarão monstros! Sua manhã não ilumina as coisas de forma diferente de sua tarde?”

Nesse aforismo Nietzsche discorre sobre o fato de que não há pensamento isento da experiência daquele que pensa, pois seus afetos influenciam a interpretação que se tem das coisas, essa interpretação varia com o momento, com as intenções conscientes ou inconscientes daquele que pensa. E essa influência se dá tão mais fortemente, pois insuspeitadamente, quanto mais se busca uma imparcialidade e se denega as influências do humor, dos afetos, da experiência. Ao contrário, Nietzsche alerta para que, sendo assim, os melhores pensamentos são, não os frios e calculistas, presunçosamente supostos como imparciais, mas os que se são pensados com calor e entusiasmo. Trata-se de uma crítica ao Eu que supõe estar com o controle do pensamento, da verdade e do conhecimento. Portanto, trata-se de uma crítica ao livre-arbítrio, que nada mais é que um papel que se representa, como um teatro hipócrita da verdade.

Aforismo 547 – Os tiranos do espírito

“Então a filosofia era uma espécie de luta suprema pelo domínio tirânico do espírito – que ele fosse destinado e guardado para um ser muito feliz, fino, inventivo, ousado, violento – um único! era algo que ninguém duvidava, e vários, por último Schopenhauer, imaginaram ser esse único. – Daí resulta que, em termos gerais, a ciência ficou para trás devido à limitação moral de seus discípulos, e que doravante deve ser praticada com um sentimento básico mais elevado e generoso. “Que importa eu!” – está inscrito sobre a porto do pensador do futuro.”

Aqui o filósofo discorre sobre o desejo dos pensadores de encontrar um sentido para a vida humana, que deve existir e está oculto sob um enigma a ser desvendado.
Caberia ao pensador do futuro buscar uma ciência não antropomórfica, pois este auto-centrismo tem apenas um valor moral, tornando-se um obstáculo ao conhecimento não deturpado pelos interesses e fins morais humanos, de torcer os fatos para explicarem (falsamente) o que o homem desejaria que fosse verdade.

Aforismo 548 – A vitória sobre a força

“Considerando-se tudo o que até agora foi venerado como “espírito sobre-humano”, como “gênio”, chega-se à triste conclusão de que, no conjunto, a intelectualidade humana deve ter sido algo muito vulgar e mesquinho: tão pouco espírito foi até agora necessário, para sentir-se logo acima dela! Ah, a glória barata do gênio.”.

Nietzsche diz que basta pouco para ser considerado gênio e sobre-humano, pois o nível da intelectualidade humana até então sempre foi muito baixo.

sexta-feira, 9 de novembro de 2012

Aforismos 481 e 538. Aurora

Aforismo 481 - Dois Alemães
"Compare-se Kant e Schopenhauer a Platão, Spinoza, Pascal, Rousseau, Goethe, tendo em vista sua alma e não seu espírito".

O primeiro ponto discutido é a distinção entre alma e espírito, foi colocado que alma estaria ligada as vivências, e espírito seria algo relacionado (em termos genéricos) ao intelecto. 

O segundo ponto marcante é a comparação feita entre, por um lado, Kant e Schopenhauer, e por outro, Platão, Spinoza, Pascal, Rousseau e Goethe, tendo em vista que os primeiros possuem a tendência de separar suas obras de suas vidas, enquanto os outros fazem de sua filosofia uma mescla de tais fatores.

"Schopenhauer tem uma vantagem diante dele: possui ao menos uma certa veemente feiura da natureza, em ódio, cobiça, desconfiança, vaidade, é de constituição um tanto mais selvagem e tinha tempo de vagar para esta selvageria. Mas faltava-lhe o "desenvolvimento.", assim como no seu âmbito de idéias: ele não tinha história.”.

Com essa passagem Nietzsche expressa ainda que Schopenhauer possuía algo alheio a Kant, a vivência, sobre tudo elogia seu pessimismo, uma vez que não possuía tal idealismo sobre o homem presente em Kant, embora para nosso filósofo não fosse o ideal.

Um fato que não deve ser esquecido é que o próprio Nietzsche, em suas obras, deixar aparecer marcas de sua vivência, fato este claro no decorrer de suas produções, umas vez que sua filosofia está em comunhão com suas próprias experiências e sua história. Recordando-nos de sua obra anterior, Humano, demasiado humano, Nietzsche passava por um período de forte crise e sérios problemas de saúde, momento este que esteve à beira da morte, seu próximo livro, Aurora, é escrito exatamente em sua fase de recuperação e buscando novos caminhos, ou seja, o filósofo se faz presente na obra.

"Kant se apresenta, quando transparece em seus pensamentos, como bravo e honrado no melhor sentido, mas insignificante: falta-lhe envergadura e poder; não vivenciou muita coisa, e seu modo de trabalhar toma-lhe o tempo para vivenciar algo."

Aqui Nietzsche descreve que apesar de Kant não ter a intenção ele transparece algo, no caso, a ausência de vivência. Podemos chegar também à definição de vivência encontrada no texto como sendo: "vicissitudes e tremores que assaltam a vida mais quieta e solitária".

Fica claro também a necessidade do ócio com a seguinte passagem: “toma-lhe o tempo para vivenciar algo”.

Aforismo 538 - A insânia moral do gênio.

Aqui Nietzsche se refere ao gênio procurando ressaltar sua falibilidade, entendemos melhor com a seguinte passagem: 

"Em determinada espécia de grandes espíritos podemos observar um espetáculo doloroso, as vezes terrível: seus instantes mais fecundos, seus vôos para o alto e para longe, parecem não ser adequados à sua constituição como um todo e exceder de algum modo a sua força, de maneira que toda vez se nota uma falha e, ao longo prazo, a falibilidade da máquina, que, porém, em naturezas altamente espirituais como as de que falamos, manifesta-se em todo gênero de sintomas morais e intelectuais, bem mais regularmente do que em aflições físicas."

Na seguinte passagem o filósofo escreve:

"Enquanto o gênio habita em nós, somos arrojados, como que loucos até, e não atentamos para a vida, saúde e honra; cruzamos o dia mais livres que uma águia, e temos mais segurança na escuridão que uma coruja. Mas repentinamente ele nos deixa, e da mesma forma súbita somo acometidos de profundo temor: já não compreendemos a nós mesmos, sofremos de tudo o que vivemos e do que não vivemos, achamo-nos como entre rochas nuas ante de uma tormenta, e, ao mesmo tempo, como pobres almas infantis que temem um ruído e uma sombra."

Aqui fica claro a postura de Nietzsche, "enquanto o gênio habita em nós" podemos interpretar como uma referência aos impulsos, uma vez tomado por esse ímpeto colocamos o corpo  em uma situação extrema, onde se exige grande esforço físico e emocional e como consequência "somos arrojados" e "não atentamos para a vida, saúde e honra". Porém quando isso se desfaz dá lugar para o temor, temor esse tão destrutivo quanto o que o produziu tem de construtivo.

Termina o aforismo com a seguinte colocação:

"Três quartos de todo o mal que se faz no mundo ocorre por temor: e este é, antes de tudo, um processo fisiológico."

Podemos perceber o quanto Nietzsche considera o corpo e o psíquico na produção do gênio, ou de qualquer indivíduo, mostrando suas influências no ser humano e que por vezes tais influências causam efeitos negativos, como escreveu em sua ultima passagem, pois assim como uma máquina que possui vulnerabilidade, a longo prazo tende a falhar e possivelmente isso poderá vir a acontecer posterior a um momento de grande esforço, esforço este pai de toda grande e genial produção. 

Como já ressaltamos anteriormente, vale fazer a lembrança de que Nietzsche deixa transparecer suas vivências em suas produções e esse aforismo só faz provar tal afirmação, uma vez conhecer bem os sintomas descritos a pouco, em Aurora nosso filósofo se recompõe de um desses "espetáculos dolorosos", tendo passado por uma fase delicada de saúde. 

quarta-feira, 17 de outubro de 2012

Aforismo 456 - Uma virtude em devir. Aurora.


Reunião do dia 05 de Outubro
Texto do mestrando Rafael Dias Ferreira.

Aforismo 456 – Uma virtude em devir

A “honestidade” (Redlichkeit) é o assunto deste aforismo. A ocorrência do termo, em Aurora, perfaz doze unidades textuais, cujos registros transitam entre acepções correntes e especiais (cf. § 84, § 91, § 167, § 192, § 255, § 293, § 370, § 418, § 456, § 482, § 536, § 550). Dessa maneira, ao lado de definições que referem ideias de “probidade”, “honradez”, “adequação”, “pureza” e “castidade”, Nietzsche contrapõe entendimento conceitual específico para essa, assim nomeada, “virtude”, não sem estranhamento por parte do leitor, devido à economia do filósofo quanto a exposições do gênero. Formalmente, a estratégia de apresentação está em suspender o desfecho do tema, a qual se observa em outros parágrafos de toda a sua obra. Nessa direção, o aforismo começa por problematizar a unidade entre virtude e felicidade no pensamento antigo e no cristianismo, tomada, por conseguinte, como inevidente. A seguir, o argumento é o de que apesar dessa síntese não ter origem na honestidade, não é, por outro lado, fruto da má consciência (schlechtes Gewissen), pois o anseio que movia seu caráter de veracidade transcende inclinações egoístas e se aproxima da glorificação divina através de práticas virtuosas. Ainda que se possa suspeitar da ironia de Nietzsche nesse ponto, afirmações dessa natureza – tais como: “Busquem antes o Reino de Deus, e todo o resto lhes será dado!” (Mt, 6:33) – são tomadas como verdades atemporais, apesar de todas as evidências contrárias a estas, com isenção de remorso moral e religioso. As “pessoas de valor”, contemporâneas ao filósofo, ainda estariam ligadas a esse nível de veracidade, mas sem preocupações mais profundas com vínculos necessários por trás do cultivo da virtude, o que lhes possibilitaria, por seu desinteresse, preocuparem-se menos com a verdade. Nietzsche termina a seção com a seguinte proposta: uma vez que seu aparecimento é recente, não constando no mundo antigo e na era cristã, a “retidão”[1] pode ser promovida ou inibida. Desse modo, Nietzsche trata o conceito, sobretudo, em seu significado de honestidade para consigo mesmo (cf. M/AA, § 167), isto é, como “jogo da verdade” („Wahrspielerei“) (cf. M/AA, § 418). Portanto, como indicado no texto do parágrafo, o uso dá-se a partir de concepção eminentemente moderna do vocábulo, ainda que entendida em processo formativo, ao que é preciso lembrar que, na língua clássica francesa, com a qual Nietzsche estava familiarizado por intermédio da literatura moralista, a honestidade (honnêteté) representava conjuntos de valores da moral social de estirpe nobre, a qualidade do “honnête homme” mundano, agradável e distinto, pelas maneiras e pelo espírito: sinceridade no trato social, propriedade no decoro e honradez por bom nascimento, como nesta passagem, lembrada por Pascal, do Discours de la vraie honnêteté, do chevalier de Méré: “‘Se alguém me perguntasse em que consiste a honestidade, eu diria que não é outra coisa que sobressair em tudo o que diz respeito aos atrativos e aos decoros da vida [em sociedade]’”[2] (Méré, citado in PascalPetite éd. Brunschvicg, 1909: 116). Assim sendo, com o aforismo, Nietzsche propõe espécie de indicação para reforma de princípios, que norteariam o assentimento ou a recusa a uma versão por vir da honestidade.

Indicações bibliográficas

Nietzsche, F. W. Aurora. Trad., notas e posfácio Paulo César de Souza. São Paulo: Cia. das Letras, 2004.
Méré (Antoine GOMBAUD, chevalier DE). Discours de la vraie honnêtetéInPascal, B. Pensées et opuscules. Ed. M. Léon Brunschvicg. Paris: Hachette, 1909.


[1] Variante de “Redlichkeit”, na tradução por Paulo César de Souza, que peca, contudo, em termos de cuidado conceitual, visto que “retidão” pode ser compreendida como consonância à justiça.
[2] “« Si quelqu'un me demandait en quoi consiste l'honnêteté, je dirais que ce n'est autre chose que d'exceller en tout ce qui regarde les agréments et les bienséances de la vie. »”


terça-feira, 9 de outubro de 2012

Aforismo 453 e 455 - Aurora

Reunião do dia 05 de Outubro


A imagem

A gravura (em madeira) "Weibermacht" (o poder das mulheres), de 1513, é de autoria de Hans Baldung Grien. Ela remete ao conto medieval "Aristoteles und Phyllis". É um conto do médio-alto alemão, da região do alto Reno, entre Estrasburgo e Basiléia. Embora haja várias versões, uma das mais conhecidas e antigas é a do século XIII, entre 1260 e 1287; o autor é desconhecido, mas é bem provável sua origem cortesã. Trata do tema do sábio (Aristóteles), que é seduzido, enganado e iludido por uma linda mulher. É um tema muito antigo, tratado desde o século V em narrativas chinesas, árabes e persas. Por influência das cruzadas, no século XIII, esse tema é recorrente na literatura ocidental, especialmente do séc. XIII ao XVI.
Na corte do rei Felipe da Macedônia, Aristóteles tem a difícil tarefa de educar o príncipe Alexandre, na sua futura e grandiosa posição de dominador. Ele tem êxito, até que Alexandre se apaixona pela bela moça da corte da rainha, Phyllis. Por estar muito apaixonado, Alexandre não consegue mais concentrar-se nas aulas do estagirita. Aristóteles faz de tudo para terminar com esta relação, intervindo junto ao rei e à rainha. Phyllis é forçada a romper, e ambos ficam muito tristes. Phyllis fica furiosa com Aristóteles e quer vingar-se dele, seduzindo-o. O velho sábio cai facilmente na armadilha e quer impacientemente um encontro noturno pago com Phyllis. Ela finge concordar, mas coloca como condição que quer cavalgar o velho sábio pelos jardins, como se ele fosse um cavalo. Eles são percebidos na corte. A vingança de Phyllis foi bem-sucedida. Aristóteles percebeu que não conseguiu dominar a paixão dos dois jovens e, mais do que isso, questiona seu próprio ideal e ética. Envergonhado e alvo de burla, Aristóteles medita numa terra distante sobre a ruína causada pela astúcia feminina.

Aforismo 453 - Interregno moral

Neste aforismo, intitulado Interregno moral (Moralisches Interregnum), Nietzsche descreve seu tempo como um momento entre morais. Ao fazer isso ele lança a seguinte pergunta “Quem já estaria agora em condições de descrever o que substituirá, um dia, os sentimentos e juízos morais?” (A §453). Tal tarefa é vindoura, justamente em razão da insegurança nas “ciências da fisiologia, da medicina, da sociedade e solidão” (idem). Cabe notar que, com essa afirmação, Nietzsche deposita sobre essas ciências a responsabilidade de “extrair as pedras fundamentais para novos ideais (senão os próprios ideais mesmos)” (idem). Devido a inevitabilidade de estarmos nesse interregno moral, abrem-se duas possibilidades. Ou vivemos uma existência provisória, ou adotamos uma existência póstuma. Diante dessas possibilidades, o filósofo marca posição ao afirmar que o que se faz de melhor nesse interregno é experenciar com a moral e tornarmo-nos experimentos de nós mesmos.

De alguma forma, seguindo as indicações deste aforismo, há a impossibilidade, ao menos no presente, de uma existência plena. Ou nossa existência é um momento de passagem, diante das possibilidades futuras, ou nos projetamos a algo alheio a nossa existência. Aceitar-se como experimentador de si é a saída diante de uma tal incompletude.

Podemos resumir o presente aforismo a dois pontos fundamentais: o primeiro é a constatação de que o momento vivido por Nietzsche é um período entre morais. Temos a clara visão da queda dos fundamentos que dão sustentação a moralidade até então vigente; sem ter, contudo, a capacidade de enxergar os fundamentos da moral vindoura. O segundo ponto é a eleição das ciências da fisiologia, da medicina, da sociedade e da solidão; como as que terão a responsabilidade de encontrar e descrever o que substituirá os sentimentos e juízos morais. Ocorre que tais ciências se encontram, no contexto de Nietzsche, em um progressivo crescimento, porém ainda sem possuir a confiabilidade necessária para cumprir com a tarefa que lhes cabe. Fato que motiva esse interregno moral, diante do qual se deve ter uma postura científica, de experimentar com a moral e consigo mesmo.

Esta postura é própria do chamado segundo período de Nietzsche. Aqui, ciência possui um papel importante, juntamente com o experimentalismo. Nesta mesma linha de pensamento, podemos voltar alguns aforismos e nos depararmos com a afirmação do filósofo de que “temos que lidar experimentalmente com as coisas, sendo ora maus, ora bons para com elas e agindo sucessivamente com justiça, paixão e frieza em relação a elas [...] Como todos os conquistadores, descobridores, navegadores, aventureiros, nós, investigadores, somos uma moralidade temerária, e temos que admitir ser considerados maus no conjunto” (A §432). Podemos observar o quão Nietzsche se inclui no problema e na atitude que julga como necessária diante da constatação que faz da sua época.

Aforismo 455 - A primeira natureza

O que Nietzsche quer dizer quando lança a questão de uma dupla natureza? Ele aponta, como consequência da educação, a formação de uma segunda natureza. Este seria o sinal de maturidade e de sermos “utilizáveis” aos olhos da sociedade. Emana do seu texto a crítica a um celebre estagirita, o qual afirma que, através de repetidas ações virtuosas, o homem desenvolve um caráter virtuoso, que lhe serve de uma segunda natureza.

Nietzsche nos incita, contudo, a buscar pela nossa “primeira natureza”, saudando aqueles que “são cobras o bastante” para desfazer-se da “segunda natureza”. Nessas raras exceções houve um amadurecimento da primeira natureza, porém como afirmamos essa não é a regra, no mais das vezes, “o gérmen dela [da primeira natureza] ressecou” (A §455).

Texto produzido pelos mestrandos Leonardo Camacho de Oliveira e Sdnei Pestano.

Aforismo 429 - Aurora


Reunião do dia 22 de Junho de 2012

Aforismo 429 – A nova paixão


Tema que já foi tratado no aforismo 424, aqui Nietzsche vai tornar a falar acerca da paixão pelo conhecimento, pontuando da seguinte maneira:


"Porque tememos e odiamos um possível retorno à barbárie? Porque ela tornaria os homens mais infelizes do que são? Ah, não! Em todos os tempos os bárbaros tiveram mais felicidade, não nos enganemos.".

Traço marcante de nosso filósofo é ir contra a legitimação de uma linha de pensamento vigente, trazendo de forma ácida e muito bem colocada um ponto de vista que até então não havia sido expressado. Voltando-se para as bases do problema, buscando entender a semente que gerou o fruto “ruim”, Nietzsche questiona o que não haviam questionado até então, faz perguntas que não haviam feito anteriormente e se posiciona de maneira nova (para sua época) e intrigante.

No decorrer do debate conseguimos formar duas interpretações diferentes para o que Nietzsche está nos trazendo, porém, um ponto em comum nas duas análises é de que existe uma forte tensão entre a barbárie e a paixão do conhecimento, isso fica claro no decorrer da leitura, portanto, ambos os raciocínios partem desse princípio em comum. Buscaremos expor as duas interpretações no decorrer deste resumo.


Um dos pontos mais importantes e divergentes do debate foi à questão da barbárie, para ela possuímos duas análises, uma tomando a barbárie em um sentido histórico e outro como imagem.


"Mas nosso impulso ao conhecimento é demasiado forte para que ainda possamos estimar a felicidade sem conhecimento, ou a felicidade de uma forte e firme ilusão; apenas imaginar esse estado é doloroso para nós!".


Uma das interpretações possíveis para tal colocação é a de que os bárbaros não eram dotados dessa paixão pelo conhecimento, ou seja, repousavam sobre uma “forte e firme ilusão” acerca da felicidade, logo, afastavam questionamentos desconfortáveis, questionamentos estes que surgiam através da paixão pelo conhecimento. Levando em conta que tal interpretação visa à análise do que seria “o bárbaro” em um sentido histórico.


Já a segunda interpretação enxerga “o bárbaro” como uma imagem, ou seja, a imagem de uma barbárie enquanto um tempo em que os ânimos se encontram mais inflados, justamente pela ilusão já narrada, e não necessariamente em um sentido histórico. Vale pontuar que sempre existiu uma tensão entre o aquecimento e o esfriamento dessa tensão, o aquecimento excessivo gera um problema assim como o esfriamento em demasia.


Ambas as interpretações concordam que a paixão pelo conhecimento estaria vinculada com o Iluminismo.

Outro ponto onde encontramos duas interpretações se dá com a seguinte passagem:


"Sim, odiamos a barbárie  preferimos todos o fim da humanidade ao retrocesso do conhecimento! E, afinal: se a humanidade não perecer de uma paixão, perecerá de uma fraqueza: o que é preferível? Eis a questão principal. Queremos para ela um final em luz ou em areia?  ".

A primeira interpretação afirma que o perecimento através da luz seria consequência da paixão do conhecimento, uma vez que ela resultaria na implosão da figura de Deus, gerando uma sensação de vazio dentro do ser humano. Vale lembrar que futuramente Nietzsche trará a morte de Deus de forma mais concreta em suas obras. Já o perecimento em areia seria, no caso, a fraqueza do homem em não enfrentar tal ilusão e seguir adiante com essa paixão pelo conhecimento, o que leva a crer que o ser humano não tem o poder de dominar ou manipular suas paixões (novamente percebe-se aqui um possível diálogo com os moralistas franceses).


Para a segunda interpretação fica nítido o pessimismo nas palavras de Nietzsche, uma vez ele deixar claro que a humanidade pereça de uma forma ou de outra, o que parece bater de frente com a proposta de Aurora, levando em conta que se espera um novo tempo, novas auroras, no entanto enxerga o perecimento inevitável. A divergência com a primeira interpretação se mostra também com relação paixão/fraqueza. Que fraqueza seria essa se não uma paixão? Uma vez sendo o conhecimento a nova paixão.
Finalizo o resumo desse aforismo com outras duas passagens:

"A inquietude de descobrir e solucionar tornou-se tão atraente e imprescindível para nós como o amor infeliz para aquele que ama: o qual ele não trocaria jamais pelo estado de indiferença;  sim, talvez nós também sejamos amantes infelizes! O conhecimento em nós transformou-se em paixão que não vacila ante nenhum sacrifício e nada teme, no fundo, senão a sua própria extinção.".


"E talvez até a humanidade pereça devido a essa paixão do conhecimento!  mas nem este pensamento influi sobre nós! O cristianismo se atemorizou alguma vez ante um pensamento assim? Não são irmãos o amor e a morte?"


Vale ressaltar que Nietzsche fala muito em nós, "nosso impulso ao conhecimento", porém é importante colocar que essa é a paixão do conhecimento dos espíritos livres.

Aforismos 423 e 424 - Aurora


Reunião do dia 15 de Junho de 2012

Aforismo 423 – Dentro do grande silêncio

Nesse aforismo Nietzsche, que se encontrava na Itália, já apresenta de forma marcante o espírito de Zaratustra, inclusive na própria linguagem com exclamações bastante significativas, formando uma bela escrita.
No capítulo V nosso filósofo traz a nova paixão, a paixão pelo conhecimento. Na sequência, em A Gaia Ciência fica clara essa nova paixão, não sendo uma ciência fria e dura, mas sim uma ciência jovial e alegre, que deve ser vista de um ponto muito mais estético. Posteriormente, Nietzsche terá a visão do que nomina como “Eterno Retorno” e é em Aurora que ele se prepara para tal vislumbre.
Já no início do aforismo podemos perceber a referência que Nietzsche faz ao mar, como já vimos anteriormente em nossas reuniões o que significava para ele tal cenário, no caso, a buscar por novos caminhos, o descobrimento de novas auroras. “Aqui está o mar, aqui podemos esquecer a cidade.” Logo em seguida ele cita os sinos da igreja, vale a reflexão de que Nietzsche conhece bem tal sinfonia, sendo uma recordação de sua infância uma vez tendo morado até os 5 anos em uma sacristia juntamente com o pai que era pastor. “Os sinos ainda tocam neste momento a Ave Maria – esse ruído sombrio e tolo, porém doce, no cruzamento do dia com a noite –, mas apenas por mais um instante! Agora tudo se cala!”. 
Buscando o texto no original podemos notar o jogo de palavras que o filósofo faz, sendo de um alemão muito polido e bonito.
Nietzsche está aqui dentro do grande silêncio, posição essa que ele acreditava ser fundamental para qualquer filósofo, pois só assim conseguiriam se distanciar das situações rotineiras e olhar com mais fidelidade para elas.
Mesmo não sendo um romântico Nietzsche, nesse momento, quer dialogar com a natureza, quer encontrar na natureza o silêncio de que precisa para encontrar os novos caminhos que vem buscado.
Quem tem a experiência do sublime, não fala. O silêncio representa a profundidade de tal sentimento e qualquer palavra que seja usada o macularia. A imagem escolhida representa tal experiência, intitulada “Paulo Afonso Falls”, a pintura está datada de 1850 e é obra de E. F. Schute, pertencente ao MASP.

Nosso filósofo teme o avanço das cidades e com esse aforismo reafirma que o espírito livre deve buscar o silêncio que a natureza proporciona e não se deixar contaminar pelo rebanho, por essa industrialização, por esse modo de vida inquieta, por essa inquieta Europa.

Ah, faz-se ainda mais silêncio, e novamente se inflama o meu coração: apavora-se ante uma nova verdade.” Será aqui o eterno retorno essa nova verdade?

Lembrando que esse é um momento extremamente feliz na vida de Nietzsche, em Aurora A Gaia Ciência, ele vive um sentimento de renascer além de estar muito esperançoso com sua filosofia, por isso que Aurora é um prenuncio para algo muito maior. 

Aforismo 424 – Pra que existe a verdade

A temática aqui está voltada para a questão do erro, suas causas e consequências. Nietzsche aponta o erro como uma poderosa ferramenta consoladora e escreve: “Até o momento, os erros foram os poderes consoladores: agora, espera-se o mesmo efeito das verdades reconhecidas, e espera-se já há algum tempo. E se as verdades não fossem capazes justamente disso – consolar?.”. Também fica claro sua posição perante o vinculo religião e erros, sendo a religião justamente a santificação dos erros.
Podemos notar a posição de nosso filósofo quando se refere à nossa forma de sentir, de pensar e de agir, dizendo que tais ações estão condicionadas à esses erros. Por outro lado, a ciência mostrou que esse mundo, que nos diz respeito, é um mundo falso, sendo ela incapaz de oferecer remédio para os males dos erros. É exatamente este o motivo pelo qual os doentes entenderão que esta ciência é uma maldição.
"Mas outrora havia tal convicção de que o ser humano era a finalidade da natureza, que se supunha, sem hesitação, que também o conhecimento nada poderia descobrir que não fosse útil e saudável para o homem, sim, não poderia haver, não era lícito que houvesse outras coisas. – Talvez disso resulte a tese de que a verdade, como um todo coerente existe apenas para as almas simultaneamente poderosas e inofensivas, jubilosas e pacíficas (como foi a de Aristóteles), e de que apenas estas serão capazes de buscá-las: pois as outras buscam remédios para si, ainda que pensem muito orgulhosamente do seu intelecto e a liberdade deste – elas não buscam a verdade."

segunda-feira, 1 de outubro de 2012

Reunião do dia 28 de Setembro de 2012

Em derivação da greve nossas reuniões estiveram adiadas, somente no dia 28 de Setembro retomamos nosso trabalho e em nossa primeira reunião debatemos temas acerca da organização do calendário pós-greve do grupo de estudos Nietzsche da UFPel. Seguem os pontos mais relevantes:

Na próxima Sexta-Feira, dia 05 de Outubro de 2012, às 16h30, teremos a leitura dos seguintes aforismos:

§453 – Interregno moral.
§455 – A primeira natureza.
§456 – Uma virtude em devir.

No dia 12 de Outubro não teremos reunião devido ao XXXIII Encontros Nietzsche que acontecerá na USP.

Nos dias 19 e 26 de Outubro não nos encontraremos devido a ANPOF.

No dia 02 de Dezembro é feriado, portanto, nossa reunião que normalmente acontece de Sexta-Feira acontecerá em uma data alternativa que ainda não foi estipulada.

Para os participantes do Grupo de Estudos Nietzsche da UFPel peço que se mantenham atentos em nosso Blog, pois todas as novidades serão devidamente informadas.
Outras possibilidades:

Grupo de e-mails  
Basta solicitar participação: 
https://groups.google.com/d/forum/gen-ufpel

Caso tenham dificuldade em solicitar participação entrem em contato através do e-mail a seguir e entraremos em contato para enviar um convite.

gen-ufpel@googlegroups.com

Twitter  

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Basta curtir nossa página para receber em seu mural nossas informações.
https://www.facebook.com/GENUFPel