quarta-feira, 28 de novembro de 2012

Reunião do dia 23 de Novembro de 2012

Aforismo 560 - O que somos livres para fazer.

Nesse aforismo Nietzsche nos oferece três formas de lidar com os impulsos, a primeira opção está descrita na seguinte passagem:

“Pode-se lidar com os próprios impulsos como um jardineiro, e, o que poucos sabem, cultivar os germens da ira, da compaixão, da ruminação, da vaidade, de maneira tão fecunda e proveitosa como uma bela fruta numa latada. Pode-se fazer isso com o bom ou mau gosto de um jardineiro, e como que ao estilo francês, inglês, holandês ou chinês;”

O que o ser humano é capaz de fazer com os próprios impulsos? Teríamos nós controle sobre eles ou eles sobre nós? Assim como o filósofo afirma, podemos lidar com os impulsos com “o bom ou o mau gosto”, porém, “poucos sabem” como manipular impulsos de maneira proveitosa e de uma forma que torne possível o surgimento de bons frutos mesmo quando suas sementes sejam aparentemente infrutíferas. Quando nos deparamos com a ira, por exemplo, imaginamos que dela só é possível nascer frutos infecundos, mas será?

Em seguida oferece uma opção intermediária descrita na seguinte passagem:

“pode-se também deixar a natureza agir e apenas providenciar aqui e ali um pouco de ornamentação e limpeza”, uma possibilidade seria deixar que natureza manifeste-se nessas sementes (em nossos impulsos), mantendo o cuidando de ornamenta-las e limpá-las quando necessário.

Em oposição à primeira opção Nietzsche nos oferece a terceira possibilidade de lidar com os impulsos descrevendo da seguinte forma:

“Pode-se, enfim, sem qualquer saber e reflexão, deixar as plantas crescerem entre si até o fim”, ou seja, permitir que a compaixão, ou a vaidade, por exemplo, brotem e cresçam, chegando até onde podem chegar, “sem qualquer saber e reflexão”.

Em seguida ele escreve:

“Pode-se mesmo ter alegria com esta selva e querer justamente essa alegria, ainda que traga também aflição.”

Aceitar com alegria os frutos gerados por essas sementes, aceitar a condição dos impulsos enquanto dominadores e saber utilizá-los a nosso favor, como nossos aliados, não fugir de nossa natureza, não negá-la, nem a combater, mas saber cultiva-la como um bom jardineiro.

O que Nietzsche quer dizer com essas palavras? Ele está mesmo falando que temos a capacidade de “ter alegria com esta selva”? Que podemos ter alegria dessa maneira? Como nós, seres racionais, podemos ter alegria perante o fato de não estarmos, afinal, no controle de nosso próprio corpo? De nossos impulsos? Nosso filósofo, como de costume, não nos trás respostas prontas, mas nos da à possibilidade de refletir sobre pontos até então tomados como concretos e escreve:

“Tudo isso temos liberdade para fazer; mas quantos sabem que temos essa liberdade? Em sua maioria, as pessoas não creem em si mesmas como em fatos inteiramente consumados? Grandes filósofos não imprimiram sua chancela a este preconceito, com a doutrina da imutabilidade do caráter?”.

A doutrina da imutabilidade do caráter é outro ponto relevante que foi discutido no decorrer do tempo de maneira equivocada e Nietzsche faz questão de mostrar sua posição contrária à concepção tradicional de sujeito em todo o decorrer do livro. Para finalizar esse aforismo, deixo aberto para reflexão o que exatamente nosso filósofo nos propõe, o que somos livres para fazer afinal? Será que o sujeito é algo fixo? Imutável?

Aforismo 572 – A vida deve nos tranquilizar.
Aforismo 566 – Viver Barato.

“Quando alguém, como o pensador, vive habitualmente na grande corrente do pensar e sentir, e mesmo nossos sonhos noturnos seguem essa corrente: então se deseja tranquilidade e silêncio da vida – enquanto outros querem justamente repousar da vida, ao entregar-se à meditação”. §572

A meditação não seria exatamente não refletir? Para Schopenhauer, por exemplo, a meditação, assim como a arte, é uma ferramenta para não participar da vida, uma forma de se ausentar do mundo, de estar exatamente em repouso da mesma. O pensador não seria o oposto disso? Aquele que se entrega aos pensamentos?  Aquele que mesmo em seus momentos de repouso ainda sim se encontra ligado à vida?

No aforismo 566 Nietzsche descreve a forma de viver do pensador como “barata e inofensiva”, deixando em relevo o papel da solidão para que tais características se tornem reais, uma vez o pensador estando afastado não pode ele desejar mais do que se necessita. Ele satisfaz suas necessidades mais simples, como comer e dormir. Seu prazer não exige vias caras de acesso e “ele se contenta facilmente”. Uma vez envolto pela solidão, o pensador é capaz, por exemplo, de se desfazer de sentimentos como o remorso. Em outras palavras, ele leva a vida de maneira mais simples e livre.

Sobre a solidão do pensador Nietzsche escreve:

“ele não precisa de companhia, exceto de quando em quando, para depois abraçar ainda mais ternamente sua solidão; ele encontra nos mortos substitutos para pessoas vivas e mesmo para amigos: ou seja, nos melhores que jamais viveram. –”. §566

O que pode ser mais barato do que ter que se preocupar somente com as necessidades do próprio corpo? O que pode ser mais inofensivo do que estar sozinho? Em doses homeopáticas, ter uma boa companhia, a companhia dos melhores pode ser uma possibilidade.

Conclui o aforismo com as seguintes palavras:

“Considerem se não são estes os hábitos e desejos opostos aos que tornam a vida humana custosa e, portanto, árdua, frequentemente insuportável. – É certo que, em outro sentido, a vida do pensador é a mais custosa – nada é bom demais para ele; e privar-se justamente do melhor seria, no caso, uma privação insuportável.” §566

O que então seria mais insuportável? Viver de forma tão intensa ou não conseguir sentir nada afinal? Uma possibilidade é possuir serenidade perante ambas as situações, nas de extrema alegria e nas de extrema infelicidade.

Não é de se estranhar que os pensadores desejem tranquilidade e silêncio da vida, mas isso não necessariamente implica em se ausentar da mesma.

sexta-feira, 23 de novembro de 2012

Aforismos 539, 547 e 548. Aurora

Nosso blog tem como um dos objetivos abrir uma via de comunicação entre professores, alunos, estudantes e interessados pela filosofia de Nietzsche não só dentro da Universidade Federal de Pelotas como em qualquer lugar do Brasil. Achamos fundamental existir a possibilidade para disseminar interpretações exteriores sobre os temas que estamos abordando, portanto hoje vamos trazer a análise do professor André Martins acerca dos últimos aforismos estudados em nossas reuniões.

André Martins é filósofo e psicanalista, professor Associado da UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro), vice-coordenador do Programa de Pós-Graduação em Filosofia da mesma universidade, Doutor em Filosofia pela Université de Nice, Doutor em Teoria Psicanalítica pela UFRJ, com Pós-Doutorado Sênior em filosofia pela Université de Provence; professor visitante das Universidades de Reims e Amiens; membro do Círculo Psicanalítico do Rio de Janeiro e do Espace Analytique de Paris; coordenador do SpiN-UFRJ (Grupo de Pesquisas Spinoza e Nietzsche); autor de Pulsão de morte? Por uma clínica psicanalítica da potência (Ed.UFRJ, 2009) e organizador de O mais potente dos afetos. Spinoza e Nietzsche (Martins Fontes, 2009) e de As ilusões do eu. Spinoza e Nietzsche (Civilização Brasileira, 2010). Sua ultima organização foi Spinoza et la psychanalyse” (Ed. Hermann, Paris, 2012).

Resumo da reunião do dia 09 de Novembro de 2012

Aforismo 539 – Vocês sabem o que querem?

Trazemos de início algumas passagens do aforismo para que possam melhor compreender o que será dito:

“Nunca os torturou tanto o medo de ser completamente inaptos para reconhecer o que é verdadeiro? O medo de seu tino ser muito obtuso, de mesmo a sensibilidade da visão ainda ser muito grosseira? Se notarem que tipo de vontade governa por trás de sua visão?”

“Oh, vergonhosos desejos! Como vocês frequentemente buscam o que produz efeito forte e o que tranquiliza – porque estão cansados. Sempre com ocultas predeterminações de como deveria ser a verdade, para que vocês pudessem aceitá-la.”

“Não se requer calor e entusiasmo para fazer justiça a uma coisa do pensamento? – e justamente isso é ver! Nesse trato há a mesma moralidade, a mesma probidade, as mesmas segundas intenções, a mesma frouxidão, o mesmo temor – o seu amável e odioso Eu!”

“Seus cansaços físicos darão cores cansadas às coisas, suas febres os tornarão monstros! Sua manhã não ilumina as coisas de forma diferente de sua tarde?”

Nesse aforismo Nietzsche discorre sobre o fato de que não há pensamento isento da experiência daquele que pensa, pois seus afetos influenciam a interpretação que se tem das coisas, essa interpretação varia com o momento, com as intenções conscientes ou inconscientes daquele que pensa. E essa influência se dá tão mais fortemente, pois insuspeitadamente, quanto mais se busca uma imparcialidade e se denega as influências do humor, dos afetos, da experiência. Ao contrário, Nietzsche alerta para que, sendo assim, os melhores pensamentos são, não os frios e calculistas, presunçosamente supostos como imparciais, mas os que se são pensados com calor e entusiasmo. Trata-se de uma crítica ao Eu que supõe estar com o controle do pensamento, da verdade e do conhecimento. Portanto, trata-se de uma crítica ao livre-arbítrio, que nada mais é que um papel que se representa, como um teatro hipócrita da verdade.

Aforismo 547 – Os tiranos do espírito

“Então a filosofia era uma espécie de luta suprema pelo domínio tirânico do espírito – que ele fosse destinado e guardado para um ser muito feliz, fino, inventivo, ousado, violento – um único! era algo que ninguém duvidava, e vários, por último Schopenhauer, imaginaram ser esse único. – Daí resulta que, em termos gerais, a ciência ficou para trás devido à limitação moral de seus discípulos, e que doravante deve ser praticada com um sentimento básico mais elevado e generoso. “Que importa eu!” – está inscrito sobre a porto do pensador do futuro.”

Aqui o filósofo discorre sobre o desejo dos pensadores de encontrar um sentido para a vida humana, que deve existir e está oculto sob um enigma a ser desvendado.
Caberia ao pensador do futuro buscar uma ciência não antropomórfica, pois este auto-centrismo tem apenas um valor moral, tornando-se um obstáculo ao conhecimento não deturpado pelos interesses e fins morais humanos, de torcer os fatos para explicarem (falsamente) o que o homem desejaria que fosse verdade.

Aforismo 548 – A vitória sobre a força

“Considerando-se tudo o que até agora foi venerado como “espírito sobre-humano”, como “gênio”, chega-se à triste conclusão de que, no conjunto, a intelectualidade humana deve ter sido algo muito vulgar e mesquinho: tão pouco espírito foi até agora necessário, para sentir-se logo acima dela! Ah, a glória barata do gênio.”.

Nietzsche diz que basta pouco para ser considerado gênio e sobre-humano, pois o nível da intelectualidade humana até então sempre foi muito baixo.

sexta-feira, 9 de novembro de 2012

Aforismos 481 e 538. Aurora

Aforismo 481 - Dois Alemães
"Compare-se Kant e Schopenhauer a Platão, Spinoza, Pascal, Rousseau, Goethe, tendo em vista sua alma e não seu espírito".

O primeiro ponto discutido é a distinção entre alma e espírito, foi colocado que alma estaria ligada as vivências, e espírito seria algo relacionado (em termos genéricos) ao intelecto. 

O segundo ponto marcante é a comparação feita entre, por um lado, Kant e Schopenhauer, e por outro, Platão, Spinoza, Pascal, Rousseau e Goethe, tendo em vista que os primeiros possuem a tendência de separar suas obras de suas vidas, enquanto os outros fazem de sua filosofia uma mescla de tais fatores.

"Schopenhauer tem uma vantagem diante dele: possui ao menos uma certa veemente feiura da natureza, em ódio, cobiça, desconfiança, vaidade, é de constituição um tanto mais selvagem e tinha tempo de vagar para esta selvageria. Mas faltava-lhe o "desenvolvimento.", assim como no seu âmbito de idéias: ele não tinha história.”.

Com essa passagem Nietzsche expressa ainda que Schopenhauer possuía algo alheio a Kant, a vivência, sobre tudo elogia seu pessimismo, uma vez que não possuía tal idealismo sobre o homem presente em Kant, embora para nosso filósofo não fosse o ideal.

Um fato que não deve ser esquecido é que o próprio Nietzsche, em suas obras, deixar aparecer marcas de sua vivência, fato este claro no decorrer de suas produções, umas vez que sua filosofia está em comunhão com suas próprias experiências e sua história. Recordando-nos de sua obra anterior, Humano, demasiado humano, Nietzsche passava por um período de forte crise e sérios problemas de saúde, momento este que esteve à beira da morte, seu próximo livro, Aurora, é escrito exatamente em sua fase de recuperação e buscando novos caminhos, ou seja, o filósofo se faz presente na obra.

"Kant se apresenta, quando transparece em seus pensamentos, como bravo e honrado no melhor sentido, mas insignificante: falta-lhe envergadura e poder; não vivenciou muita coisa, e seu modo de trabalhar toma-lhe o tempo para vivenciar algo."

Aqui Nietzsche descreve que apesar de Kant não ter a intenção ele transparece algo, no caso, a ausência de vivência. Podemos chegar também à definição de vivência encontrada no texto como sendo: "vicissitudes e tremores que assaltam a vida mais quieta e solitária".

Fica claro também a necessidade do ócio com a seguinte passagem: “toma-lhe o tempo para vivenciar algo”.

Aforismo 538 - A insânia moral do gênio.

Aqui Nietzsche se refere ao gênio procurando ressaltar sua falibilidade, entendemos melhor com a seguinte passagem: 

"Em determinada espécia de grandes espíritos podemos observar um espetáculo doloroso, as vezes terrível: seus instantes mais fecundos, seus vôos para o alto e para longe, parecem não ser adequados à sua constituição como um todo e exceder de algum modo a sua força, de maneira que toda vez se nota uma falha e, ao longo prazo, a falibilidade da máquina, que, porém, em naturezas altamente espirituais como as de que falamos, manifesta-se em todo gênero de sintomas morais e intelectuais, bem mais regularmente do que em aflições físicas."

Na seguinte passagem o filósofo escreve:

"Enquanto o gênio habita em nós, somos arrojados, como que loucos até, e não atentamos para a vida, saúde e honra; cruzamos o dia mais livres que uma águia, e temos mais segurança na escuridão que uma coruja. Mas repentinamente ele nos deixa, e da mesma forma súbita somo acometidos de profundo temor: já não compreendemos a nós mesmos, sofremos de tudo o que vivemos e do que não vivemos, achamo-nos como entre rochas nuas ante de uma tormenta, e, ao mesmo tempo, como pobres almas infantis que temem um ruído e uma sombra."

Aqui fica claro a postura de Nietzsche, "enquanto o gênio habita em nós" podemos interpretar como uma referência aos impulsos, uma vez tomado por esse ímpeto colocamos o corpo  em uma situação extrema, onde se exige grande esforço físico e emocional e como consequência "somos arrojados" e "não atentamos para a vida, saúde e honra". Porém quando isso se desfaz dá lugar para o temor, temor esse tão destrutivo quanto o que o produziu tem de construtivo.

Termina o aforismo com a seguinte colocação:

"Três quartos de todo o mal que se faz no mundo ocorre por temor: e este é, antes de tudo, um processo fisiológico."

Podemos perceber o quanto Nietzsche considera o corpo e o psíquico na produção do gênio, ou de qualquer indivíduo, mostrando suas influências no ser humano e que por vezes tais influências causam efeitos negativos, como escreveu em sua ultima passagem, pois assim como uma máquina que possui vulnerabilidade, a longo prazo tende a falhar e possivelmente isso poderá vir a acontecer posterior a um momento de grande esforço, esforço este pai de toda grande e genial produção. 

Como já ressaltamos anteriormente, vale fazer a lembrança de que Nietzsche deixa transparecer suas vivências em suas produções e esse aforismo só faz provar tal afirmação, uma vez conhecer bem os sintomas descritos a pouco, em Aurora nosso filósofo se recompõe de um desses "espetáculos dolorosos", tendo passado por uma fase delicada de saúde.