André Martins é filósofo e psicanalista, professor
Associado da UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro), vice-coordenador do
Programa de Pós-Graduação em Filosofia da mesma universidade, Doutor em
Filosofia pela Université de Nice, Doutor em Teoria Psicanalítica pela UFRJ,
com Pós-Doutorado Sênior em filosofia pela Université de Provence; professor
visitante das Universidades de Reims e Amiens; membro do Círculo Psicanalítico
do Rio de Janeiro e do Espace Analytique de Paris; coordenador do SpiN-UFRJ (Grupo
de Pesquisas Spinoza e Nietzsche); autor de Pulsão de morte? Por uma clínica
psicanalítica da potência (Ed.UFRJ, 2009) e organizador de O mais potente dos
afetos. Spinoza e Nietzsche (Martins Fontes, 2009) e de As ilusões do eu. Spinoza e Nietzsche (Civilização Brasileira, 2010). Sua ultima organização foi Spinoza et la psychanalyse” (Ed. Hermann, Paris, 2012).
Resumo da reunião do dia 09 de Novembro de 2012
Aforismo 539 – Vocês sabem o que
querem?
Trazemos de início algumas passagens do aforismo para que possam melhor
compreender o que será dito:
“Nunca os torturou tanto o medo de ser completamente inaptos para
reconhecer o que é verdadeiro? O medo de seu tino ser muito obtuso, de mesmo a
sensibilidade da visão ainda ser muito grosseira? Se notarem que tipo de
vontade governa por trás de sua visão?”
“Oh, vergonhosos desejos! Como vocês frequentemente buscam o que produz
efeito forte e o que tranquiliza – porque estão cansados. Sempre com ocultas
predeterminações de como deveria ser a verdade, para que vocês pudessem
aceitá-la.”
“Não se requer calor e entusiasmo para fazer justiça a uma coisa do
pensamento? – e justamente isso é ver! Nesse trato há a mesma moralidade, a
mesma probidade, as mesmas segundas intenções, a mesma frouxidão, o mesmo temor
– o seu amável e odioso Eu!”
“Seus cansaços físicos darão cores cansadas às coisas, suas febres os
tornarão monstros! Sua manhã não ilumina as coisas de forma diferente de sua
tarde?”
Nesse aforismo Nietzsche discorre sobre o fato de que não há pensamento
isento da experiência daquele que pensa, pois seus afetos influenciam a interpretação
que se tem das coisas, essa interpretação varia com o momento, com as intenções
conscientes ou inconscientes daquele que pensa. E essa influência se dá tão
mais fortemente, pois insuspeitadamente, quanto mais se busca uma
imparcialidade e se denega as influências do humor, dos afetos, da experiência.
Ao contrário, Nietzsche alerta para que, sendo assim, os melhores pensamentos
são, não os frios e calculistas, presunçosamente supostos como imparciais, mas
os que se são pensados com calor e entusiasmo. Trata-se de uma crítica ao Eu
que supõe estar com o controle do pensamento, da verdade e do conhecimento.
Portanto, trata-se de uma crítica ao livre-arbítrio, que nada mais é que um
papel que se representa, como um teatro hipócrita da verdade.
Aforismo 547 – Os tiranos do espírito
“Então a filosofia era uma espécie de luta suprema pelo domínio tirânico do
espírito – que ele fosse destinado e guardado para um ser muito feliz, fino,
inventivo, ousado, violento – um único! era algo que ninguém duvidava, e
vários, por último Schopenhauer, imaginaram ser esse único. – Daí resulta que,
em termos gerais, a ciência ficou para trás devido à limitação moral de seus
discípulos, e que doravante deve ser praticada com um sentimento básico mais
elevado e generoso. “Que importa eu!” – está inscrito sobre a porto do pensador
do futuro.”
Aqui o filósofo discorre sobre o desejo dos pensadores de encontrar um
sentido para a vida humana, que deve existir e está oculto sob um enigma a ser
desvendado.
Caberia ao pensador do futuro buscar uma ciência não antropomórfica, pois
este auto-centrismo tem apenas um valor moral, tornando-se um obstáculo ao
conhecimento não deturpado pelos interesses e fins morais humanos, de torcer os
fatos para explicarem (falsamente) o que o homem desejaria que fosse verdade.
Aforismo 548 – A vitória sobre a
força
“Considerando-se tudo o que até agora foi venerado como “espírito sobre-humano”,
como “gênio”, chega-se à triste conclusão de que, no conjunto, a
intelectualidade humana deve ter sido algo muito vulgar e mesquinho: tão pouco
espírito foi até agora necessário, para sentir-se logo acima dela! Ah, a glória
barata do gênio.”.
Nietzsche diz que basta pouco para ser considerado gênio e sobre-humano,
pois o nível da intelectualidade humana até então sempre foi muito baixo.