A gravura (em madeira)
"Weibermacht" (o poder das mulheres), de 1513, é de autoria de Hans
Baldung Grien. Ela remete ao conto medieval "Aristoteles und
Phyllis". É um conto do médio-alto alemão, da região do alto Reno, entre
Estrasburgo e Basiléia. Embora haja várias versões, uma das mais
conhecidas e antigas é a do século XIII, entre 1260 e 1287; o autor é
desconhecido, mas é bem provável sua origem cortesã. Trata do tema do sábio
(Aristóteles), que é seduzido, enganado e iludido por uma linda mulher. É um
tema muito antigo, tratado desde o século V em narrativas chinesas, árabes e
persas. Por influência das cruzadas, no século XIII, esse tema é recorrente na
literatura ocidental, especialmente do séc. XIII ao XVI.
Na corte do rei Felipe da
Macedônia, Aristóteles tem a difícil tarefa de educar o príncipe Alexandre, na
sua futura e grandiosa posição de dominador. Ele tem êxito, até que Alexandre
se apaixona pela bela moça da corte da rainha, Phyllis. Por estar muito
apaixonado, Alexandre não consegue mais concentrar-se nas aulas do estagirita.
Aristóteles faz de tudo para terminar com esta relação, intervindo junto ao rei
e à rainha. Phyllis é forçada a romper, e ambos ficam muito tristes. Phyllis
fica furiosa com Aristóteles e quer vingar-se dele, seduzindo-o. O velho sábio
cai facilmente na armadilha e quer impacientemente um encontro noturno pago com
Phyllis. Ela finge concordar, mas coloca como condição que quer cavalgar o
velho sábio pelos jardins, como se ele fosse um cavalo. Eles são percebidos na
corte. A vingança de Phyllis foi bem-sucedida. Aristóteles percebeu que não
conseguiu dominar a paixão dos dois jovens e, mais do que isso, questiona seu
próprio ideal e ética. Envergonhado e alvo de burla, Aristóteles medita numa
terra distante sobre a ruína causada pela astúcia feminina.
Aforismo 453 - Interregno
moral
Neste aforismo, intitulado Interregno moral (Moralisches
Interregnum), Nietzsche descreve seu tempo como um momento entre
morais. Ao fazer isso ele lança a seguinte pergunta “Quem já estaria agora
em condições de descrever o que substituirá, um dia, os sentimentos
e juízos morais?” (A §453). Tal tarefa é vindoura, justamente em razão da
insegurança nas “ciências da fisiologia, da medicina, da sociedade e solidão” (idem).
Cabe notar que, com essa afirmação, Nietzsche deposita sobre essas ciências a
responsabilidade de “extrair as pedras fundamentais para novos ideais (senão os
próprios ideais mesmos)” (idem). Devido a inevitabilidade de estarmos
nesse interregno moral, abrem-se duas possibilidades. Ou vivemos uma existência provisória,
ou adotamos uma existência póstuma. Diante dessas possibilidades, o
filósofo marca posição ao afirmar que o que se faz de melhor nesse interregno é
experenciar com a moral e tornarmo-nos experimentos de nós mesmos.
De alguma forma, seguindo as indicações deste
aforismo, há a impossibilidade, ao menos no presente, de uma existência plena.
Ou nossa existência é um momento de passagem, diante das possibilidades
futuras, ou nos projetamos a algo alheio a nossa existência. Aceitar-se como
experimentador de si é a saída diante de uma tal incompletude.
Podemos resumir o presente aforismo a dois pontos
fundamentais: o primeiro é a constatação de que o momento vivido por Nietzsche
é um período entre morais. Temos a clara visão da queda dos fundamentos que dão
sustentação a moralidade até então vigente; sem ter, contudo, a capacidade de
enxergar os fundamentos da moral vindoura. O segundo ponto é a eleição das
ciências da fisiologia, da medicina, da sociedade e da solidão; como as que
terão a responsabilidade de encontrar e descrever o que substituirá os
sentimentos e juízos morais. Ocorre que tais ciências se encontram, no contexto
de Nietzsche, em um progressivo crescimento, porém ainda sem possuir a
confiabilidade necessária para cumprir com a tarefa que lhes cabe. Fato que
motiva esse interregno moral, diante do qual se deve ter uma postura
científica, de experimentar com a moral e consigo mesmo.
Esta postura é própria do chamado segundo período de
Nietzsche. Aqui, ciência possui um papel importante, juntamente com o
experimentalismo. Nesta mesma linha de pensamento, podemos voltar alguns
aforismos e nos depararmos com a afirmação do filósofo de que “temos que lidar
experimentalmente com as coisas, sendo ora maus, ora bons para com elas e
agindo sucessivamente com justiça, paixão e frieza em relação a elas [...] Como
todos os conquistadores, descobridores, navegadores, aventureiros, nós,
investigadores, somos uma moralidade temerária, e temos que admitir ser
considerados maus no conjunto” (A §432). Podemos observar o quão Nietzsche
se inclui no problema e na atitude que julga como necessária diante da
constatação que faz da sua época.
Aforismo 455 - A
primeira natureza
O que Nietzsche quer dizer quando lança a questão de uma
dupla natureza? Ele aponta, como consequência da educação, a formação de uma
segunda natureza. Este seria o sinal de maturidade e de sermos “utilizáveis”
aos olhos da sociedade. Emana do seu texto a crítica a um celebre estagirita, o
qual afirma que, através de repetidas ações virtuosas, o homem desenvolve um
caráter virtuoso, que lhe serve de uma segunda natureza.
Nietzsche nos incita, contudo, a buscar pela nossa
“primeira natureza”, saudando aqueles que “são cobras o bastante” para
desfazer-se da “segunda natureza”. Nessas raras exceções houve um
amadurecimento da primeira natureza, porém como afirmamos essa não é a regra,
no mais das vezes, “o gérmen dela [da primeira natureza] ressecou” (A §455).
Texto produzido pelos mestrandos Leonardo Camacho de
Oliveira e Sdnei Pestano.