Aforismo 560 - O que somos livres para fazer.
Nesse aforismo
Nietzsche nos oferece três formas de lidar com os impulsos, a primeira opção
está descrita na seguinte passagem:
“Pode-se lidar com os próprios impulsos como
um jardineiro, e, o que poucos sabem, cultivar os germens da ira, da compaixão,
da ruminação, da vaidade, de maneira tão fecunda e proveitosa como uma bela
fruta numa latada. Pode-se fazer isso com o bom ou mau gosto de um jardineiro,
e como que ao estilo francês, inglês, holandês ou chinês;”
O que o ser
humano é capaz de fazer com os próprios impulsos? Teríamos nós controle sobre
eles ou eles sobre nós? Assim como o filósofo afirma, podemos lidar com os
impulsos com “o bom ou o mau gosto”, porém, “poucos sabem” como manipular
impulsos de maneira proveitosa e de uma forma que torne possível o surgimento
de bons frutos mesmo quando suas sementes sejam aparentemente infrutíferas.
Quando nos deparamos com a ira, por exemplo, imaginamos que dela só é possível nascer
frutos infecundos, mas será?
Em seguida
oferece uma opção intermediária descrita na seguinte passagem:
“pode-se também
deixar a natureza agir e apenas providenciar aqui e ali um pouco de
ornamentação e limpeza”, uma possibilidade seria deixar que natureza
manifeste-se nessas sementes (em nossos impulsos), mantendo o cuidando de
ornamenta-las e limpá-las quando necessário.
Em oposição à
primeira opção Nietzsche nos oferece a terceira possibilidade de lidar com os
impulsos descrevendo da seguinte forma:
“Pode-se, enfim,
sem qualquer saber e reflexão, deixar as plantas crescerem entre si até o fim”,
ou seja, permitir que a compaixão, ou a vaidade, por exemplo, brotem e cresçam,
chegando até onde podem chegar, “sem qualquer saber e reflexão”.
Em seguida ele
escreve:
“Pode-se mesmo ter alegria com esta selva e
querer justamente essa alegria, ainda que traga também aflição.”
Aceitar com
alegria os frutos gerados por essas sementes, aceitar a condição dos impulsos
enquanto dominadores e saber utilizá-los a nosso favor, como nossos aliados,
não fugir de nossa natureza, não negá-la, nem a combater, mas saber cultiva-la
como um bom jardineiro.
O que Nietzsche
quer dizer com essas palavras? Ele está mesmo falando que temos a capacidade de
“ter alegria com esta selva”? Que podemos ter alegria dessa maneira? Como nós, seres
racionais, podemos ter alegria perante o fato de não estarmos, afinal, no controle
de nosso próprio corpo? De nossos impulsos? Nosso filósofo, como de costume,
não nos trás respostas prontas, mas nos da à possibilidade de refletir sobre
pontos até então tomados como concretos e escreve:
“Tudo isso temos
liberdade para fazer; mas quantos sabem que temos essa liberdade? Em sua
maioria, as pessoas não creem em si mesmas como em fatos inteiramente
consumados? Grandes filósofos não imprimiram sua chancela a este preconceito,
com a doutrina da imutabilidade do caráter?”.
A doutrina da
imutabilidade do caráter é outro ponto relevante que foi discutido no decorrer
do tempo de maneira equivocada e Nietzsche faz
questão de mostrar sua posição contrária à concepção tradicional de sujeito em
todo o decorrer do livro. Para finalizar esse aforismo, deixo aberto para reflexão o que
exatamente nosso filósofo nos propõe, o que somos livres para fazer afinal?
Será que o sujeito é algo fixo? Imutável?
Aforismo 572 – A vida deve nos tranquilizar.
Aforismo 566 – Viver Barato.
“Quando alguém,
como o pensador, vive habitualmente na grande corrente do pensar e sentir, e
mesmo nossos sonhos noturnos seguem essa corrente: então se deseja
tranquilidade e silêncio da vida – enquanto outros querem justamente repousar
da vida, ao entregar-se à meditação”. §572
A meditação não
seria exatamente não refletir? Para Schopenhauer, por exemplo, a meditação,
assim como a arte, é uma ferramenta para não participar da vida, uma forma de
se ausentar do mundo, de estar exatamente em repouso da mesma. O pensador não
seria o oposto disso? Aquele que se entrega aos pensamentos? Aquele que mesmo em seus momentos de repouso
ainda sim se encontra ligado à vida?
No aforismo 566
Nietzsche descreve a forma de viver do pensador como “barata e inofensiva”,
deixando em relevo o papel da solidão para que tais características se
tornem reais, uma vez o pensador estando afastado não pode ele desejar mais do
que se necessita. Ele satisfaz suas necessidades mais simples, como comer e
dormir. Seu prazer não exige vias caras de acesso e “ele se contenta facilmente”.
Uma vez envolto pela solidão, o pensador é capaz, por exemplo, de se desfazer de sentimentos
como o remorso. Em outras palavras, ele leva a vida de maneira mais
simples e livre.
Sobre a solidão do
pensador Nietzsche escreve:
“ele não precisa
de companhia, exceto de quando em quando, para depois abraçar ainda mais
ternamente sua solidão; ele encontra nos mortos substitutos para pessoas vivas
e mesmo para amigos: ou seja, nos melhores que jamais viveram. –”. §566
O que pode ser mais
barato do que ter que se preocupar somente com as necessidades do próprio
corpo? O que pode ser mais inofensivo do que estar sozinho? Em doses
homeopáticas, ter uma boa companhia, a companhia dos melhores pode ser uma
possibilidade.
Conclui o
aforismo com as seguintes palavras:
“Considerem se
não são estes os hábitos e desejos opostos aos que tornam a vida humana custosa
e, portanto, árdua, frequentemente insuportável. – É certo que, em outro
sentido, a vida do pensador é a mais custosa – nada é bom demais para ele; e
privar-se justamente do melhor seria,
no caso, uma privação insuportável.” §566
O que então seria
mais insuportável? Viver de forma tão intensa ou não conseguir sentir nada afinal?
Uma possibilidade é possuir serenidade perante ambas as situações, nas de
extrema alegria e nas de extrema infelicidade.
Não é de se estranhar que os pensadores
desejem tranquilidade e silêncio da vida, mas isso não necessariamente implica
em se ausentar da mesma.