Reunião do dia 07 de Dezembro de 2012
Com essa postagem encerramos a leitura de Aurora,
mas antes de começar a falar sobre o aforismo vamos nos recordar do que foi
dito em nossa primeira reunião.
“As primeiras anotações
do que viria a ser Aurora foram feitas no início de 1880, quando Nietzsche se
achava em Riva del Garda, no Norte da Itália. Depois prosseguiram em Veneza,
porém, foi apenas em Gênova, no inverno de 1880-81, que elas tomaram forma de livro.
Gênova, terra de Cristóvão Colombo. Será que assim como Colombo não estava o
próprio Nietzsche navegando em busca de novos horizontes? Novas ideias? Novas
auroras?”
Assim como começa o livro trazendo
essa expectativa sobre novas auroras, novas terras por conhecer, Nietzsche
encerra seu livro novamente usando tais imagens, mas dessa vez com outro tom,
podemos notar isso analisando seu último aforismo.
Aforismo 575 – Nós, aeronautas do espírito!
“Todos esses ousados pássaros que voam para longe,
para bem longe – é claro! em algum lugar não poderão mais prosseguir e pousarão
num mastro ou num recife – e ainda estarão agradecidos por essa mísera
acomodação! Mas quem poderia concluir que à sua frente não há mais uma imensa
via livre, que voaram tão longe quanto é possível voar?”
Como sabemos a filosofia madura de Nietzsche começam a
tomar corpo em A Gaia Ciência
(1882), mas é seguro afirmar que seus germes já estão presentes em Aurora (1881). Temas como a
morte de Deus e eterno retorno podem ser encontrados nesse aforismo que estamos
trabalhando. A falta de referenciais e o voar eternamente nos deixam pistas
disso. No encontro realizado em 2012 do GIRN, Grupo Internacional de Investigação
sobre Nietzsche, que teve como foco a obra Aurora tal constatação foi unânime, aqui
Nietzsche ainda não tem uma forte tomada de posição, mas já existe um
aprimoramento de seus conceitos, uma movimentação.
Interessante chamar a atenção para o fato de que
juntamente com A Gaia Ciência, Aurora é tida por Nietzsche como sua obra
mais pessoal e a que lhe era mais simpática. Cito uma nota do posfácio de Paulo
César de Souza:
“Numa carta que enviou à sua irmã em Julho de
1881, recomendou-lhe que o lesse de um ponto de vista pessoal, algo que
desaconselhava para outros leitores. E que lesse principalmente o livro V onde
há ‘muita coisa entre as linhas’. Em aparente contradição a ele, acrescentemos
uma recomendação àquela que faz no final do prólogo: não apenas o leiam
devagar, mas também nas entrelinhas, buscando o que é pessoal-universal – pois
ás vezes esses dois objetivos não se excluem”.
Sabemos que em Aurora Nietzsche deixa transparecer suas
vivências e suas experiências, tema esse que vira tema de alguns aforismos que
navegam contra a concepção de alguns filósofos como Kant, por exemplo, que faz
questão de tentar excluir todo seu lado pessoal em seus escritos, Nietzsche por
outro lado, faz o oposto. Se nos recordarmos desse fato, fica um pouco mais
clara a interpretação de todo o aforismo, aqui o filósofo se faz presente.
Voltemos então para o aforismo:
“Todos os nossos grandes mestres e precursores param,
afinal, e não é com o gesto mais nobre e elegante que a fadiga se detém: assim
também será comigo e com você! Mas que importa a mim e a você! Outros pássaros
voarão adiante!”
Com essas palavras podemos perceber novamente por onde
Nietzsche caminha na concepção de sujeito, “que importa a mim e a você”, o que importa
é a tarefa que será realizada.
“Esta nossa ideia e crença porfia em voar com eles
para o alto e para longe, sobe diretamente acima de nossa cabeça e de sua
impotência, às alturas de onde olha na distância e vê bandos de pássaros bem
mais poderosos do que somos, que ambicionarão as lonjuras que ambicionávamos,
onde tudo é ainda mar, mar e mar! – E para onde queremos ir, então? Queremos
transpor o mar? Para onde nos arrasta essa poderosa avidez, que para nós vale
mais que qualquer desejo? Por que justamente nessa direção, para ali onde até
hoje todos os sóis da humanidade se puseram nós, rumando para o Ocidente,
esperávamos alcançar as índias – mas que nosso destino era naufragar no
infinito? Ou então, meus irmãos? Ou?”
Onde afinal queremos pousar nós que voamos? Podemos
ler no decorrer do aforismo que Nietzsche ressalta três possibilidades, uma
seria navegar eternamente ao infinito, outra seria aportar e uma terceira seria
“naufragar”. E como já comentamos, faz novamente referência a Colombo dando margem
à associação feita em nossa primeira postagem, aqui mencionada.
Nietzsche finaliza os escritos de Aurora, já anunciando o Zaratustra, com uma imensidão de perguntas que só
serão respondidas em A Gaia
Ciência, que será escrito em 1883/85. O nome Zaratustra é um dos muitos
trocadilhos presentes no livro e se refere mais claramente à imagem do Sol
vindo além do horizonte ao amanhecer, como a simples noção de vitória. Além
dessa nova aurora em Zaratustra encontramos também a famosa frase “Deus está
morto”, apesar desta também aparecer anteriormente em A Gaia Ciência. Olhando dessa
forma, não estão essas três obras em uma mesma sincronia?
Concluo o resumo chamando a atenção para alguns
detalhes de Aurora e recorro ao posfácio para tal, indico sua leitura na
integra devido ao fato de o mesmo estar inserido no livro e trazer pontos
relevantes para discussão, no entanto gostaria de frisar que Paulo César de Souza não é um comentador e sim um tradutor,
de qualquer forma a leitura de seu posfácio é indicada como leitura
complementar.
“Tomando a tradicional divisão da obra de Nietzsche em
três períodos, este livro se inscreve no período intermediário ou
“positivista”, inaugurado por Humano,
demasiado humano (1878). No
entanto, algo que o diferencia deste e de seus dois complementos, Opiniões e sentenças várias (1879) e O Andarilho e sua sombra (1880), e que representa mais um passo
na libertação da influência de Wagner e Schopenhauer, é a ênfase dada por
Nietzsche à “paixão do conhecimento”. Essa nova paixão é entendida, num plano
universal, como o impulso em que a humanidade mesma sacrifica-se em prol do
conhecimento (cf. seções 45 e 429), algo que o autor viria a chamar de “vontade
de verdade” (Além do bem e do mal, aforismo 1).”
O que será que nos aguarda a sequência de Aurora?