segunda-feira, 16 de abril de 2012

Aforismos 18 e 26 - Livro I

Aforismo 18: "A moral do sofrimento voluntário"

Com esse aforismo o filósofo emerge do fundo dos impulsos humanos trazendo à tona de forma impecável a narração da crueldade como sendo cerne das motivações das ações dos indivíduos e pontua de maneira exemplar: "A crueldade está entre as mais velhas alegrias festivas da humanidade.”.
Em primeiro lugar Nietzsche coloca o tema da moralidade do costume, nota-se que o filósofo volta seus olhos para um período muito anterior na sociedade e coloca como centro de sua narração a questão do homem enquanto um animal que sente prazer perante a crueldade e disserta que através dessa crueldade para com os outros nasce uma crueldade para consigo mesmo, que seria a ideia de auto sacrifício.
Exemplificando melhor o que estamos tratando vamos relembrar os gregos antigos, que acreditavam receber recompensas ou benefícios através de sacrifícios, ou seja, diante de uma determinada crueldade os deuses ficariam satisfeitos e tal atitude traria poder para tais indivíduos e é aqui que ele começa a elaborar a ideia de vontade de poder, conceito este que tomará corpo no decorrer de seus estudos se tornando muito forte em sua filosofia.
Em Aurora Nietzsche está escavando o subsolo da moral, como um fotógrafo ele registra imagens de uma sociedade sem fazer valoração, no aforismo estudado ele apenas narra o que acontecia na pré-história humana, se voltando para o caráter da sociedade baseado em uma moralidade do costume e escreve: 
"Vocês acham que tudo isso mudou e que, portanto, a humanidade trocou de caráter? Ó conhecedores dos homens, aprendam a conhecer-se melhor!"


Nietzsche coloca bem a nossa frente a lógica do sentimento motivador do ser humano, a tirania da moralidade do costume, apontando até mesmo uma irracionalidade na prática comum de tais costumes e como o ser humano perde o a liberdade de exercer seus instintos se adequando as regras morais. O segundo movimento que o filósofo faz é de apontar o fundamento do sentimento de arrependimento, apontando que o sentimento de culpa e remorso faria parte de uma moral posterior á moral da crueldade, sendo esta a mais primitiva do ser humano, a segunda já seria uma crueldade consigo mesmo, interiorizada.

Aforismo 26: "Os Animais e a moral"

Aqui o filósofo mostra uma compreensão acerca dos animais diferenciada da costumeira, dissertando para o fato de existir uma moralidade vigente entre os mesmos que visa um melhor viver e uma adequação ao ambiente. Para esse aforismo vale a constatação de que aqui Nietzsche rompe com a ideia de moralidade em comunhão com a racionalidade e escreve:
“... tudo aquilo que denominamos de virtudes socrásticas é animal: uma consequência dos impulsos que ensinam a procurar alimento e escapar dos inimigos. Se considerarmos que também o homem superior apenas se elevou e refinou no tipo da alimentação e na ideia do que lhe é hostil, será lícito caracterizar todo o fenômeno da moral como animal.”
Duas notas se mostram necessárias, primeiramente a palavra “alimento”, onde se abre a possibilidade de uma reflexão mais ampla que faça referência a todos os alimentos não só fisiológicos, mas também emocionais e psicológicos e em segundo lugar o que salta aos olhos é uma finalidade de vontade de potência por trás de todas as intenções motivadoras.

http://www.youtube.com/watch?v=W5PCg9v8Z0g

Leituras necessárias para o próximo encontro

Livro II
Aforismo 103 - Há dois tipos de negadores da moralidade. 
Aforismo 109 - Auto domínio e moderação, e seu motivo último.

domingo, 8 de abril de 2012

Prefácio, Aforismos 9 e 14 - Livro I.

A leitura dos prefácios de Nietzsche se torna necessária e relevante devido a já madura observação do próprio filósofo para com sua produção, ele demonstra uma compreensão maior do que havia tratado anteriormente e norteia seus pensamentos futuros, no caso de Aurora ele fala primeiro de sua profunda suspeita na moral e em seguida da procedência das noções de bem e mal.

Prefácio: Já nas primeiras páginas podemos perceber que sua crítica maior está voltada para a cultura ocidental, onde a partir da ascensão do cristianismo algo de novo ocorre na história, ela faz o que até então nenhuma outra cultura havia feito, apontando o fundamento do bem e do mal em um único Deus, um Deus universal, pois até então cada povo havia tido seu próprio Deus. Para ele essa ascensão se dá através da combinação de duas lógicas no ocidente, por um lado o judaísmo e por outro as ideias platônicas gregas e foi o apóstolo Paulo de Tarso o primeiro a dar fundamento ao que se desenvolveu depois. Essas noções de bem e mal geraram um código moral e esse código ganha corpo e força universal.
A dominação do pensamento e da moral cristã perpassa cerca de 1500 anos e é a partir da Reforma que essa igreja começa a perder força, todavia esse código moral permanece forte e ditando as normas de toda uma sociedade, em contra partida a natureza mostra constantemente que a vida é imoral. O filósofo percebe então que esse fundamento último da moral não existia mais.
Uma vez demolido os pilares cristãos da moralidade, Nietzsche se depara com seu problema central: qual é a tarefa do filósofo imoralista no movimento da autossupressão da moral? 

Aforismo 9 - Conceito da moralidade dos costumes: Nietzsche vai tratar da moral que salta dos costumes, fazendo referência a dois tipos de moral, a moral do rebanho e a dos espíritos solitários; já em Humano, demasiado humano o filósofo define o que pra ele seria o espírito livre e o espírito cativo, aqui ele retoma esses conceitos.

“... a moralidade não é outra coisa (e, portanto, não mais!) do que obediência a costumes, não importa quais sejam; mas costumes são a maneira tradicional de agir e avaliar. Em coisas nas quais nenhuma tradição manda não existe moralidade; e quanto menos a vida é determinada pela tradição, tanto menor é o círculo da moralidade. O homem livre é não moral, porque em tudo quer depender de si, não de uma tradição: em todos os estados originais da humanidade, “mau” significa o mesmo que “individual”, “livre”, “arbitrário”, “inusitado”, “inaudito”, “imprevisível”.”

Aforismo 14 - Significação da loucura na história da moralidade: 
"Enquanto hoje sempre nos dão a entender que ao gênio não foi dado um grão de sal, mas o tempero da loucura, todos os homens de outrora tendiam a crer que onde houver loucura haverá também um grão de gênio e de sabedoria - algo "divino", como sussurravam."

Leituras necessárias para o próximo encontro
Aforismo 18 - A moral do sofrimento voluntário. 
Aforismo 26 - Os animais e a moral.

Indicação de leitura:
Para melhor compreender a auto-supressão da moral recomendamos a leitura do livro do Osvaldo Giacóia Junior: Labirintos da Alma: Nietzsche e a auto-supressão da moral. São Paulo: Editora UNICAMP, 1997.