Reunião do dia 18 de
Maio de 2012
Livro III
Aforismo 184
- O Estado como produto dos anarquistas.
Aforismo 189
- A grande política.
Trataremos ambos os aforismos em um único resumo
devido ao fato de discursarem acerca do mesmo conceito, o sentimento de poder. Porém tal conceito possui sentidos diferentes dentro da narrativa nietzschiana,
em Aurora quando Nietzsche fala de sentimento de poder ele faz referência a um
poder político, no caso da obra Genealogia da Moral nosso
filósofo fala se voltando para um aspecto mais individual.
O ponto mais relevante nessas passagens é mescla que o
filósofo faz com o plano político coletivo com o plano individual.
“E suportarão essas leis, com
a consciência de que eles próprios as ditaram – o sentimento do poder, desse
poder, é muito novo e atraente para eles, para que não sofram tudo em seu
nome.” (AU §184)
No final da terceira dissertação da Genealogia
da Moral Nietzsche cita um dito latino que em sua tradução expressa as
seguintes palavras, “Sofre tu mesmo a lei que tu propuseste.”(GM
III 27), ou seja, ser
legislador de si mesmo.
No contexto da obra Genealogia da Moral Nietzsche
se refere a um plano individual, já em Aurora faz referência a
um autogoverno, no caso, os socialistas ou anarquistas. Aqui o filósofo está
apontando a relação de mando e obediência em um plano coletivo e a disciplina
terrível que tal legislação exige, pois o que fica em relevo a partir de tal
reflexão é a luta de impulsos entre o que está legislado e o que se deseja.
“Por mais que o proveito e a
vaidade, tanto de indivíduos como de povos, possam influir na grande política:
a corrente mais forte que a impele é a necessidade do desenvolvimento do poder,
que não apenas nas almas dos príncipes e dos poderosos, mas também nas camadas
mais baixas do povo brota de vez em quando, de fontes inesgotáveis.”. (AU §189)
Fica nítido como nosso filósofo está seduzido por essa
ideia e essa noção central de poder, que é o germe da vontade de poder, sendo o
poder político referência ao conceito, uma vez que o poder é uma noção muito
mais vasta para Nietzsche do que somente política, sendo muito mais
cosmológica.
No decorrer de suas colocações percebe-se claramente a
crítica que é feita aos socialistas e aos trabalhadores modernos, porém não
oferece uma resposta para tal problemática, aqui mais uma vez ele demonstra sua
preocupação com o futuro do homem e faz reflexões acerca da inquieta e
extenuada Europa, buscando tocar nos pontos mais sensíveis de sua época e
pensando os problemas das épocas futuras.
“Eu me curvo apenas à lei que eu mesmo fiz, nas coisas
pequenas e grandes. Tantos experimentos ainda devem ser feitos! Tanto futuro
ainda tem de vir à luz.”. (AU §187)
Nietzsche ainda não tem muita clareza acerca de seu
projeto político e ético, porém ele se mostra muito decidido em fazer
experimentos e em buscar respostas. Como sabemos, em Aurora o
filósofo está em busca de novos caminhos e de novas auroras, buscando trazer à tona temas de relevância, no caso dos aforismos estudados o filósofo está
preocupado com o momento histórico que vive a Europa, inquieta.
Vale notar que quando nos voltamos para o aforismo “A
grande política” podemos perceber que o filósofo se foca mais para um campo
ético do que político, além de usar uma distinção entre bom e mal, que seria a
distinção ética básica de Nietzsche.
Uma possível interpretação para “A grande política”
seria que Nietzsche busca descrever a tentativa de uma nação em sobrepujar
outras. Nosso filósofo estaria escrevendo de maneira puramente descritiva, de
fatos já passados e dentro de um contesto nacionalista de lutas políticas, sem
oferecer proposta alguma. Trazendo para seu texto as perdas que acarretam
quando um estado tenta sobrepor-se a outros na tentativa de fazer uma grande
política, demonstrando uma preocupação com um possível esbanjamento de poder,
um exemplo desse comportamento temos em Napoleão.
Em Humano, demasiado humano, no aforismo
481 podemos encontrar novamente esse tema. Em Ecce Homo ele
traz uma proposta política moral e escreve: “somente através de mim haverá
grande política na terra.”. Em Aurora parece que Nietzsche descreve o que
acontece quando um povo tenta colocar uma grande política. Vale relembrar o que
foi visto no texto do mestrando Sdnei Pestano, intitulado "A concepção de grande
política em Humano, demasiado humano", basta clicar no link para ser
redirecionado.
“Quando o homem está com o sentimento do poder, ele se
percebe como bom e assim se denomina: e precisamente então os outros, nos quais
ele deve descarregar seu poder, percebem-no como mau e assim o chamam!”,
fazendo uma comparação com Hesíodo que teria escrito de maneira a
agradar todo seu público, tanto os que mandavam quanto os que obedeciam.
Quando nos voltamos para a discussão do que seria o
nobre, Nietzsche se mantém firme acerca de sua concepção de hierarquia de
forças, por mais que ele se volte para o poder político, quando fala em forte e
fraco, dominador e dominado, nobre e escravo, ele está operando por esse viés,
até mesmo quando se refere aos estados, os que dominam e os que são dominados,
existindo sempre essa relação tensa de poder. Em Aurora ele
tenta descrever essas noções de poder político da época, sem trazer, ainda,
soluções ou apontar caminhos. Posteriormente ele demonstra certo anseio de
unificação, por uma grande política, uma transvaloração que ainda não está
presente em Aurora, a grande política que ele quer ainda não aconteceu e só irá
acontecer a partir dele, o projeto para uma grande política está exposto em seu período tardio. Vale lembrar que nosso filósofo não é simpático a
nenhum desses poderes políticos nacionalistas, dizendo que o grande erro de
Napoleão foi o nacionalismo. Entre os Alemães Nietzsche vê Goethe como um evento europeu, porém sendo
de um âmbito cultural e não político, sendo também um grande crítico de Bismarck.
Concluímos o resumo desses aforismos trazendo que novamente está exposto um sentimento de espírito livre vinculado com as preocupações
de Nietzsche com o destino dessa Europa tão angustiada, refletindo sobre os
grandes problemas da classe trabalhadora, as relações de poder e o sentimento
de poder, mas ao mesmo tempo muito descritivo ainda, sem ter uma proposta de
grande política aqui exposto.
Aforismo 207 - Atitude dos alemães ante a moral.
Aqui Nietzsche busca trazer a ânsia pela embriaguez, a
necessidade do povo alemão em ter um líder forte, mesmo que isso se dê de
maneira cega e nacionalista, basta buscar a memória a campanha de Hitler para
assumir o poder para que possam melhor compreender o que Nietzsche está
apontando neste aforismo. De maneira provocadora nosso filósofo escreve:
“Um alemão é capaz de grandes coisas, mas é pouco
provável que as faça: pois ele obedece sempre que pode, como agrada a um
espírito indolente. Se é obrigado a ficar só e abandonar sua inércia, (...) ele
descobre suas forças: torna-se perigoso, mau, profundo, temerário, e mostra o
tesouro de energia adormecida que traz em si, na qual ninguém (nem ele mesmo
acreditava). Quando, neste caso, um alemão obedece a si mesmo – é a grande exceção –, ele o faz com a mesma gravidade, inflexibilidade e persistência com que
obedece a seu príncipe e suas obrigações oficiais (...).”
Mais adiante Nietzsche pontua:
“Habitualmente, contudo, ele receia depender apenas de
si, receia improvisar, (...) – A leviandade lhe é estranha, ele é temeroso
demais para ela; mas em situações inteiramente novas, que o tiram da
sonolência, ele é quase leviano; então frui a raridade da nova situação como
uma embriaguez, e ele entende de embriaguez!”
Nosso filósofo pressentiu já em sua época o que
causaria essa cegueira nacionalista, para ele os elementos já estavam
presentes, mesmo em um grau menos acentuado. Nietzsche pode perceber o
movimento histórico, e tal capacidade é um dos vários fatores que destacam o
filósofo o tornando tão interessante na contemporaneidade. A questão judaica já
está sendo narrada como podemos ver no aforismo 205 “Sobre o povo de Israel”.
Conclui com as seguintes colocações:
“Se o alemão vem a achar-se no estado em que é capaz
de grandes coisas, ele sempre se ergue acima da moral! E como não o faria? Ele
tem de fazer algo novo, isto é, comandar – a si ou a outros! Mas a sua moral
alemã não lhe ensinou a comandar! Nela foi esquecido o comandar.”.
Kant e seu imperativo
categórico como uma categoria alemã, do obedecer, uma vez que o homem precisa
ter algo a que obedecer incondicionalmente, no caso obedecer à lei moral que o homem estabelece enquanto um ser racional.
O ponto principal nesse
aforismo se concentra na questão da obediência, se voltando contra a questão da
disciplina. Ele conclui seu aforismo apontando para a necessidade dos alemães em
aprender a legislar, tal tarefa que apenas narra em Aurora, sem construir sua prática, o que fará, por exemplo, na Genealogia da Moral, escrevendo acerca
dos novos filósofos.