"A solidão no alvorecer" por Johann Heinrich Füssli |
Neste aforismo, Nietzsche questiona as formas com que as pessoas
se relacionam com as suas crenças. Enquanto por uma via há aqueles que possuem crenças
mesmo sem fornecer as razões para elas; por outro lado há a via da suspeita. Sendo
assim, Nietzsche inicia o aforismo argumentando que embora não queira acreditar
naquilo que sua experiência lhe mostra como evidente, a saber, que “a grande
maioria das pessoas não tem consciência intelectual”, tal observação é palpável
demais para que consiga se rebelar contra ela. O filósofo alemão diagnostica
que aqueles que consideram necessária tal consciência, e a exigem dos outros,
encontram-se solitários, ainda que rodeados de pessoas, como nas cidades
populosas, já que não há pares nessa sua exigência no trato com as crenças.
Nietzsche também aponta que não só as pessoas são desprovidas da
referida consciência intelectual, como também são indiferentes àqueles que as
alertam a respeito disso. Portanto, a indiferença das pessoas frente a este
questionador funciona como um agravante ao deserto da sua solidão. Isto porque
a indiferença se apresenta como a ausência de oposição, ou seja, sequer existe
uma tensão, uma forma de interação com o questionador, ainda que de conflito.
Logo, aquele que aponta que a forma de valorar das pessoas possa estar sendo
injusta não recebe como retorno sequer indignação, e quando muito a reação será
a de uma risada sobre a sua dúvida.
Assim, a consciência
intelectual está diretamente ligada à suspeita, à dúvida. Para Nietzsche, a
grande maioria (o que incluiria “os mais talentosos homens e as mais nobres
mulheres”) sequer duvida de suas crenças, não vê o problema que é estabelecer
seus valores sem uma ponderação racional: “a grande maioria não acha
desprezível acreditar isso ou aquilo e viver conforme tal crença, sem antes
haver se tornado consciente das últimas e mais seguras razões a favor ou contra
ela, e sem mesmo se preocupar depois com tais razões”. Assim, por melhor que
seja alguém, por mais que seja dotado de “bondade, finura e gênio”, ainda seria
um ser inferior, posto que de nada adianta tais virtudes se tal pessoa tolera em
si mesma “sentimentos frouxos ao crer e julgar”, ou seja, se esta pessoa é
leviana quanto ao que acredita e não tem a necessidade de buscar a certeza, o
que caracteriza os homens superiores e os diferencia dos inferiores.
Até no piedoso,
personagem que Nietzsche não admira, o filósofo identifica um ponto que nos
melhores homens e mulheres não encontrou: este tem ódio à razão, o que seria
uma tomada de posição frente à consciência intelectual, rejeitando-a, o que
difere daqueles que são simplesmente indiferentes à ela. O que é desprezível
para Nietzsche é estar diante de “toda a maravilhosa incerteza e ambigüidade da
existência” e não se posicionar, nem interrogar e nem ter ódio por quem
interroga, como o piedoso. Nietzsche aponta, então, que o que procura
primeiramente nas pessoas é a percepção do quanto isto é desprezível, e
argumenta que “algum desatino está sempre a me convencer de que todo ser humano
tem esta percepção, como ser humano. É minha espécie de injustiça”. Ou seja,
está sendo injusto na medida em que pensa que todos tem tal percepção, o que
está relacionado com o aforismo seguinte, §3: Nobre e Vulgar, em que escreve
sobre a “eterna injustiça dos nobres”. Tal injustiça significa que os nobres
consideram sua idiossincrasia do gosto necessária a todos, afirmam posições
novas partindo desta sua idiossincrasia, o que só é possível na medida em que
estes não sentem a si mesmos como naturezas excepcionais.
Resumo efetuado por José Luiz Votto