O Enterro do Conde de Orgaz - El Greco |
No encontro do
GEN-UFPel do dia 24 de maio de 2013 foi dado o início ao estudo da obra A
gaia ciência (1882) com a leitura e
discussão do primeiro aforismo do Livro I, Os
mestres da finalidade da existência. Este inicia com a afirmação de Nietzsche
de que observa em todos os seres humanos o trabalho para a conservação da
espécie, entendido não como motivado por um amor à espécie, mas enquanto o mais
forte instinto nos homens. Este instinto seria “precisamente a essência da
linhagem e rebanho que somos”, ou seja,
estaria inerente em todos nós.
Ao advogar a tese
de que um instinto inexorável, que direciona os homens à conservação da
linhagem, está presente em toda a espécie, Nietzsche faz também uma crítica à
divisão estanque das pessoas entre úteis e nocivas, pois até “a pessoa mais
nociva pode ser a mais útil, no que toca à conservação da espécie; pois mantém
em si ou, por sua influência, em outras, impulsos sem os quais a humanidade teria
há muito se estiolado ou corrompido”. Desta forma, também tudo aquilo que se
chama de mau (como a ânsia de rapina e domínio) seria parte de uma “assombrosa
economia da conservação da espécie”, economia esta que, segundo Nietzsche,
conservou a nossa estirpe. Não haveria, então, ações boas ou más na
medida em que de qualquer forma tais ações resultariam na conservação da
espécie.
Nessa economia
global da conservação da espécie, o peso da existência do sujeito deixa de ser
tão forte, de modo que Nietzsche sugere que se siga “os seus melhores ou os
seus piores desejos e, sobretudo, pereça!”, pois afinal não importaria o tipo
do desejo, posto que, de qualquer forma, o seu leitor seria “benfeitor da
humanidade”. Com isso, Nietzsche está afirmando que o indivíduo visto da
perspectiva da espécie não teria relevância, ou seja, que não haveria diferença
para a continuidade da linhagem se o indivíduo adotou uma postura moral ou
outra.
No entanto, ainda
não teriam surgido aqueles capazes de rir inclusive das melhores características
dos outros e de si mesmos, evidenciando sua “ilimitada miséria de rã e de
mosca”, ou seja, sua insignificância num quadro geral da humanidade inscrita na
história. Com isto, fica claro que ainda não se percebeu esta “verdade”, e
também que sequer os melhores tiveram essa percepção, não tendo sido por isso
capazes de rir de si mesmos.
Para Nietzsche, o
riso só teria futuro a partir do momento em que a tese “a espécie é tudo, o
indivíduo, nada” fosse incorporada à humanidade, abrindo-se o acesso a uma
libertação e irresponsabilidade, de tal forma que “talvez o riso tenha se
aliado à sabedoria, talvez haja apenas gaia ciência”. Contudo, Nietzsche
diagnostica que no seu presente há uma tragédia, referente ao
fato desse ser o “tempo das morais e religiões”. Com isto, o filósofo alemão se
pergunta o que significa o aparecimento sempre renovado dos fundadores destas
morais e religiões, dos incitadores da luta pelas avaliações morais e dos mestres
dos remorsos e das guerras religiosas. Seguindo o contexto do termo tragédia,
descreve esses como os “heróis num palco”, e coloca os poetas, por exemplo, como aqueles que sempre foram
“camareiros de alguma moral”. Reiterando a sua tese de que todos trabalham para
a conservação da espécie, movidos pelo mais forte dos impulsos; Nietzsche
afirma que estes heróis também o fazem, ainda que pensem estar a serviço de
Deus, eles, em verdade, “promovem a vida da espécie, ao promover a fé na vida”.
Tal impulso de
conservação surgiria ocasionalmente como razão e paixão do espírito, trazendo
motivos e querendo fazer esquecer que é impulso, ou seja, ausência de motivos.
Isto seria efetuado através dos mestres da ética enquanto mestres da finalidade da existência. Estes seriam aqueles
que dão sentido ao que não tem sentido, ou seja, as coisas que ocorrem
necessariamente e por si, e que são explicadas por eles enquanto tendo sido
feitas para uma finalidade, enquanto razão. Para isso, esse mestre da ética
inventa uma segunda existência[3],
pois esse mundo não possuiria sentido imanente, sendo necessário recorrer a
algo fora dele. E também para eles não haveria espécie, posto o indivíduo ser
algo primordial.
Resumo efetuado por José Luiz Votto