quarta-feira, 5 de setembro de 2012

Minicurso: "Leituras naturalistas contemporâneas de Nietzsche"



Gostaríamos de convidá-los para a I Semana Acadêmica do Programa de Pós Graduação da UFPel. Especialmente para o minicurso do Prof. Dr. Rogério Antônio Lopes (UFMG). O prof. Rogério Lopes é coordenador do Grupo Nietzsche da UFMG e possui uma ampla pesquisa no pensamento de Nietzsche.

O minicurso "Leituras naturalistas contemporâneas de Nietzsche" ocorrerá nas manhãs dos dias 11, 12 e 13 de setembro. Nele o Professor pretende mostrar "que a filosofia de Nietzsche oscila entre um compromisso mais forte e um mais liberal com a tese naturalista, ao mesmo tempo em que insiste em reivindicar uma tarefa essencialmente normativa para a filosofia" (LOPES, Ementa do minicurso).


Para tornar o debate mais qualificado e facilitar a compreensão, foi disponibilizado, pelo Professor Rogério Lopes, uma lista com leituras recomendadas aos participantes do minicurso.

* Artigos publicados no Dossiê sobre o naturalismo, nos Cadernos Nietzsche, 29:

* Humano, Demasiado Humano: Capítulo 1 (todos os aforismos) e 
Cap. 9 (aforismos 629 a 638).

* Além de Bem e Mal: Capítulo 1 (todos os aforismos), Cap. 2 (aforismo 36), Cap. 5 (aforismos 186-188); Cap. 7 (todos os aforismos).

* Genealogia da Moral: (Prefácio, referências serão feitas às três dissertações como exemplificação do tipo de naturalismo praticado por Nietzsche e suas ambiguidades).

* O Crepúsculo dos Ídolos: “A razão na filosofia”; “Moral como antinatureza”; “Os quatro grandes erros”.



Durante o evento haverá também comunicações de pós-graduandos em diversas áreas, porém, na quarta-feira (12/09) o autor privilegiado será Nietzsche:

      O NATURALISMO DE NIETZSCHE EM ALÉM DO BEM E DO MAL
          Apresentador: Sérgio Fernando Maciel Corrêa

      A SUPERAÇÃO DA COMPAIXÃO, PELO RETORNO AO EGOÍSMO
          Apresentador: Gabriel Heidrich Medeiros

NIETZSCHE E A QUESTÃO ESPÍRITO X NATUREZA: UM ESTUDO DAS LEITURAS NATURALISTAS DO PENSAMENTO NIETZSCHIANO
          Apresentador: Leonardo Camacho de Oliveira

A RELAÇÃO ENTRE POLÍTICA E VIRTUDE: COMO SE ALCANÇA A SOBERANIA DA VIRTUDE?
      Apresentador: Sdnei Almeida Pestano



Para maiores informações sugerimos o site do evento:

quinta-feira, 2 de agosto de 2012

A psicologia dos impulsos em Aurora como ponto de aproximação de Nietzsche com o pensamento naturalista.

Texto de Leonardo Camacho de Oliveira - Mestrando do Programa de Pós-graduação em Filosofia da UFPel.


Temos como meta para este breve ensaio instigar o debate acerca da interessante questão dos impulsos e como Nietzsche se serve dela para apresentar uma nova noção de sujeito. Para isto, nos voltaremos à obra Aurora (AU - 1881), onde tal noção é apresentada. Também intentaremos aproximar, apenas com relação a alguns pontos, as leituras de Hume e Nietzsche sobre o sujeito. Por fim, veremos como as considerações presentes em Aurora contribuem para uma interpretação naturalista do pensamento nietzschiano.
Antes de abordar o texto de Nietzsche é importante que tenhamos em mente a noção de sujeito “vigente” naquele contexto. Neste ponto, vemos como principal paradigma a noção kantiana, a qual coloca o homem como um ser dotado de uma natureza dual. Ele é um ser sensível (submetido de forma heterônoma às leis da natureza), mas capaz de razão, em outras palavras ele tem a capacidade de impor a si uma lei racional que ele mesmo constrói. Notemos que a capacidade de razão é, para Kant, o que distingue o homem do restante da natureza, podemos mesmo dizer que é o que faz do homem, homem. 
Nietzsche, contudo, não pode de forma alguma aceitar tal dicotomia do tipo homem, visto que esta capacidade de razão está ancorada, em última instância, no fato da razão[1]. Isto implica a difícil tarefa de interpretar a natureza humana sem recorrer a pontos dogmáticos ou metafísicos. Com efeito, o autor de Aurora vai perscrutar o subsolo e os alicerces dos “majestosos edifícios morais”, se servindo da atitude questionadora dos moralistas franceses e da frieza dos psicólogos empíricos ingleses, provocando a derrocada de uma série de “verdades”, as quais sustentavam a visão de mundo de seu tempo.
Um ponto de grande importância e especial interesse para este trabalho é o papel dos impulsos e pulsões no homem. Ao invés de endossar a visão de um sujeito que é capaz de sobrepujar seus impulsos através da razão, Nietzsche, vai apresentar a razão também como um impulso. No interessante aforismo 109 ele nos apresenta seis métodos para combater a veemência de um impulso, mas antes que possamos pensar que ainda existe uma possibilidade de se sobrepor aos impulsos, tal como havia em Kant, o filósofo nos brinda com seguinte conclusão:

(...) mas querer combater a veemência de um impulso não está em nosso poder, nem a escolha do método, e tampouco o sucesso ou fracasso desse método. Em todo esse processo, claramente, nosso intelecto é antes o instrumento cego de um outro impulso, rival daquele que nos tormenta com sua impetuosidade: seja o impulso por sossego, ou o temor da vergonha e de outras más consequências, ou o amor. Enquanto “nós” acreditamos nos queixar da impetuosidade de um impulso, é, no fundo, um impulso que se queixa de outro; isto é: a percepção do sofrimento com tal impetuosidade pressupõe que haja um outro impulso tão ou mais impetuoso, e que seja iminente uma luta, na qual nosso intelecto precisa tomar partido (Aurora: 109).

Vemos, então, como a noção de sujeito é fragmentada em impulsos, os quais se encontram em uma constate luta pelo domínio; cada impulso busca dominar os demais e impor sua interpretação ao todo. Com efeito, o sujeito ou “eu” é determinado a cada momento pelo resultado desta luta de impulsos, pois aquele impulso que domina impõe ao todo uma ordenação e hierarquização. De modo que as ações, interpretações, juízos e mesmo o próprio “ser” de um sujeito é resultado de um processo fisiopsicológico de disputa entre impulsos. Logo, o significado de nossas vivências, não só é relativo ao sujeito que as vivencia, mas também é relativo ao impulso dominante naquele sujeito. Como Nietzsche bem exemplifica: “Tomemos uma experiência trivial. Suponhamos que um dia, passando pelo mercado, notamos que alguém ri de nós: conforme esse ou aquele impulso estiver no auge em nós, esse acontecimento significará isso ou aquilo para nós” (Aurora: 119).
O pensador de Röcken, no entanto, é sensível a dificuldade de assimilação de suas profundas considerações sobre a natureza humana. Mesmo a palavra impulso possui uma carga semântica, que é derivada de sua relação de oposição com a razão. Tal carga, resultante de séculos de pensamento metafísico, é um empecilho para que compreendamos a proposta nietzschiana. No aforismo 115 temos a seguinte consideração a este respeito:

A linguagem e os preconceitos em que se baseia a linguagem nos criam diversos obstáculos no exame de processos e impulsos interiores: por exemplo, no fato de realmente só haver palavras para graus superlativos desses processos e impulsos -; mas estamos acostumados a não mais observar com precisão ali onde nos faltam as palavras, pois é custoso ali pensar com precisão; no passado concluía-se automaticamente que onde termina o reino das palavras também termina o reino da existência. Raiva, ódio, amor, compaixão, cobiça, conhecimento, alegria, dor – estes são todos nomes para estados extremos: os graus mais suaves e medianos, e mesmo os graus mais baixos, continuamente presentes, nos escapam, e, no entanto, são justamente eles que tecem a trama de nosso caráter e nosso destino. (Aurora: 115).

Podemos notar que, sob a interpretação de Nietzsche, a noção de impulso toma outro significado. Ao invés de serem tomados apenas como estados extremos, os impulsos podem ser medianos, ou mesmo suaves, o que nos permite, por exemplo, imaginar um impulso à serenidade, o qual se encontraria em oposição ao impulso à ansiedade. Claro está, que isto é fundamental para que compreendamos a proposta nietzschiana do sujeito fragmentado em impulsos, pois podemos compreender uma atitude tal como a de recusar uma bebida, não como um domínio da razão sobre o impulso à beber, mas a vitória de um impulso à moderação. 
Com base neste ponto, gostaríamos de apontar para uma interessante aproximação desta abordagem dos impulsos de Nietzsche com a dinâmica das paixões de David Hume (1711 – 1776). Em seu Tratado da natureza humana (1739/1740), Hume apresenta uma intricada dinâmica das paixões, contudo, uma análise desta sistemática em detalhe foge da proposta deste trabalho, de modo que apontaremos, de forma breve e geral, algumas características, julgadas por nós relevantes. Em primeiro lugar devemos ter em mente duas divisões independentes das paixões: elas podem ser fortes e fracas, na medida em que possuem maior ou menor influência causal no agir do sujeito; e podem ser calmas e violentas, de acordo com a sua turbulência e intensidade sentida. O ponto fundamental é que podemos ter uma paixão que é, ao mesmo tempo, calma e forte, ou seja, ela não possui a turbulência de uma paixão violenta, mas ainda sim é determinante na ação do sujeito, visto que sua implicação causal é forte.
Tal raciocínio está atrelado a uma interpretação da razão como incapaz de, por si só, determinar o agir humano. Segundo Hume não há conflito entre razão e paixões, devido ao fato de que a razão tem o secundário papel de buscar os meios adequados para alcançar os fins impostos pelas paixões. Daí sua célebre afirmação de que “A razão é, e deve ser, apenas a escrava das paixões, e não pode aspirar a outra função além de servir e obedecer a elas” (HUME, 2009, p. 451). Podemos notar como o pensador escocês se insurge contra a crença dos racionalistas na razão como protagonista do agir, bem como na existência de um conflito entre razão e paixões. Neste sentido é interessante o comentário de John Rawls:

Este importante parágrafo encerra a explicação de Hume do erro filosófico dos racionalistas: a saber, eles confundem e influência abrangente e forte das paixões calmas com as operações da razão. Recordemos que as paixões podem ser a um tempo fortes e calmas. Os racionalistas são iludidos pela ausência de turbulência ou violência no modo como essas paixões operam. Hume atribui um papel fundamental às paixões calmas, ao menos quando são fortes, o que por vezes se verifica. Sua influência se evidencia na maneira como elas regulam e controlam nossa deliberação e conduta (RAWLS,  2005, p. 37).

Tendo observado isto, gostaríamos de apresentar dois pontos convergentes entre Hume e Nietzsche: primeiro, é notável que ambos atribuam um papel secundário à razão, Hume a coloca como serva das paixões e Nietzsche a coloca como mais um impulso. Tal postura representa um rompimento com a noção tradicional de sujeito racional, a qual é assentada em uma metafísica da razão. Estes dois filósofos preferem depositar suas esperanças na esfera muito mais palpável e natural das pulsões humanas. Logo, ao invés de apresentarem o homem como separado do restante da natureza, pelo fato de possuir a centelha divina da razão, o veem como determinado pelo fluxo psico-fisiológico das pulsões.
O segundo ponto de convergência reside no fato de ambos os pensadores apresentarem pulsões suaves ou calmas, e, com isso, enfrentarem as dificuldades decorrentes de uma linguagem dotada de uma forte carga metafísica. É interessante notarmos como ambos, ao recusarem a dicotomia opositiva razão x impulsos/paixões, introduzem uma noção de pulsões não turbulentas, no caso de Hume as paixões calmas e no de Nietzsche os impulsos suaves; as quais possuem fundamental importância na pintura deste novo tipo de sujeito fragmentado em pulsões, pois afinal de contas são estas pulsões suaves que “tecem a trama de nosso caráter e nosso destino”. (Aurora: 115).   
Atualmente, a análise psicológica dos impulsos de Nietzsche e esses pontos de convergência com Hume estão servindo para propiciar um novo viés interpretativo de Nietzsche como um pensador naturalista. Temos hoje uma vasta e crescente bibliografia[2] sobre este viés, a qual vem sendo instigada por descobertas científicas, as quais, em não poucas vezes, estão confirmando as considerações nietzschianas. Acreditamos que o tratamento dos impulsos em Aurora é fundamental para esta nova proposta interpretativa, além dos pontos de convergência com Hume, os quais permitem, por exemplo, que Brian Leiter apresente Nietzsche como um naturalista metodológico especulativo (Naturalista-M), “isto é, um filósofo que, como Hume, deseja ‘construir teorias que sejam modeladas nas ciências (...) tomando delas a ideia de que os fenômenos naturais possuem causas determinísticas’”. (LEITER, 2011, p. 80). Até que ponto esta leitura é possível e se podemos compreender Nietzsche como um pensador que apresenta uma continuidade de resultados com a ciência é questão para uma próxima oportunidade, por hora nos basta apresentá-la e convidar o leitor para este debate.    
  
Obras Referidas

HUME, David. Tratado da natureza humana. São Paulo: Editora UNESP, 2009.
LEITER, Brian. O naturalismo de Nietzsche reconsiderado. In: Cadernos Nietzsche, n. 29, São Paulo: 2011, p. 77 – 126.
NIETZSCHE, Friedrich. Aurora. São Paulo: Companhia das Letras, 2004.
RAWLS, John. História da filosofia moral. São Paulo: Martins Fontes, 2005.


[1] A fundamentação da moral kantiana e a questão do fato da razão são questões de grande complexidade e que fogem do tema de nosso trabalho, de tal modo que aos interessados fica a indicação de leitura do texto da Professora Flávia Carvalho Chagas, disponível em http://revistaseletronicas.pucrs.br/ojs/index.php/veritas/article/viewFile/7840/5761
[2] Algumas indicações neste sentido: LEITER, B. Routledge Philosophy - Guidebook to Nietzsche on Morality. London: Routledge, 2002. PRINZ, J. J.. The Emotion Construction of Morals. New York: Oxford University Press, 2007.

Leituras dos próximos encontros.

Trago os aforismos selecionados em nossa ultima reunião para serem estudados em nossos próximos encontros. Em função da paralisação ainda não temos a data precisa de quando retomaremos nossos estudos, porém a previsão é de que na segunda semana após o retorno das aulas conseguiremos dar sequência em nossos encontros. Mais detalhes serão oferecidos tanto aqui em nosso blog como em nosso grupo de e-mails assim que existir uma data mais segura.


Aproveito essa postagem para divulgar o grupo de e-mail de nosso grupo de estudos, basta clicar no link que será disponibilizado e fazer uma solicitação de participação para receber em seu e-mail nossos comunicados, a partir de agora farei a divulgação de novas postagens e repassarei informações importantes através do grupo de e-mails.


https://groups.google.com/d/forum/gen-ufpel


Ou mande um e-mail para: gen-ufpel@googlegroups.com

Caso possuam qualquer dúvida sobre o grupo de e-mails ou sobre o nosso grupo de estudos entrem em contato pelo seguinte e-mail: carol.drudi@hotmail.com


Próximas leituras:


449 - Onde estão os necessitados do espírito?
453 - Interregno moral.
455 - A primeira natureza.
456 - Uma virtude em devir.
457 - Silêncio derradeiro.
538 - Insânia moral do gênio.
539 - Vocês sabem o que querem?
547 - Os tiranos do espírito.
548 - A vitória sobre a força.
553 - Por rodeios.
560 - O que somos livres para fazer.
572 - A vida deve nos tranquilizar.
575 - Nós, aeronautas do espírito!


Boa leitura a todos e muito brevemente teremos novidades em nosso blog.

quarta-feira, 13 de junho de 2012

Aforismos 239 e 262

Reunião do dia 01 de Junho de 2012

Livro IV
Aforismo 239 - Indicação para moralistas
Em “O Nascimento da Tragédia a partir do espírito da Música” (1872) Nietzsche defende a tese de que existia nas peças do Ésquilo e de Sófocles um teatro grego verdadeiramente trágico e esse teatro era trágico porque tinha sempre à sua frente o Deus Dionísio. Nessa temática o filósofo passa a investigar o papel do coro na tragédia e narra que eles sempre estavam presentes como entusiastas dionisíacos inebriados pelo vinho que cantavam e dançavam em homenagem ao deus Dionísio. Tal teatro trágico estava diretamente vinculado à religião dionisíaca, o coro era dionisíaco e o espetáculo também, porém, depois de Ésquilo e Sófocles a tragédia perde o elemento dionisíaco e vai começar a se vincular, segundo a tese de Nietzsche, com o racionalismo socrático através de Eurípedes e passa a produzir mais “dramalhões”. É importante dizer que Wilamowitz-Moellendorff, sendo ele o maior tradutor de Eurípedes na Alemanha, discorda da tese de Nietzsche. Na sequência dos fatos vem o cristianismo e somente com o passar de 1500 anos a música começa a se libertar da religião. Nietzsche se depara com Richard Wagner e então o filósofo enxerga no compositor uma retomada e um resgate do dionisíaco, percebe que Wagner é capaz de ir ao fundo da cultura alemã e a partir de então é capaz de compor obras grandiosas.
Posteriormente Nietzsche rompe com Wagner e cada vez mais vai percebendo que se equivocou a respeito do compositor e que suas composições de dionisíacas não tinham nada, nem bebeu tanto quanto imaginava da alma do povo alemão e chega à conclusão de que Wagner era no fundo um cristão e, por conseguinte sua música era uma música decadente.
É válido lembrar que tal rompimento se dá em “Humano, demasiado humano” (1878), e a partir de então, em seus livros posteriores, ele narra sua visão de arte enquanto vinculada com a fisiologia. Em “Aurora” (1881) Nietzsche descreve que no ato da composição o compositor expõe sua própria alma e que essa mesma alma está cada vez menor e mais barata, logo, uma arte que esteja vinculada não com o todo, com a cultura, mas com o indivíduo, com a subjetividade e com o estado físico do criador ela pode ser fraca ou no mínimo frágil, ela vai ser imagem e semelhança do criador e se o criador é fraco a obra é fraca e o que Nietzsche descreve é que de fato a alma dos artistas está cada vez menor.
Vale lembrar que o próprio Nietzsche era compositor, produzindo mais de 300 obras, portanto ele conhecia muito bem o universo da música e ele escreve:
Oh, se nossos pensadores tivessem ouvidos para escutar dentro da alma de nossos compositores, mediante sua música! Quanto tempo será preciso esperar, até que se tenha novamente uma oportunidade como esta de flagrar o homem interior numa má ação e na inocência desta ação! Pois os nossos compositores não suspeitam minimamente que colocam em música a sua própria história, a história do enfeamento da alma. Antes o bom compositor era quase obrigado a tornar-se um bom homem por causa de sua arte – E agora!
                                
Indicações de leituras:

Mestre e Doutor em Filosofia pela UNICAMP, Wander Andrade de Paula, intitulado "Sócrates e a polêmica sobre o nascimento da tragédia".

Indico também o segundo capítulo do livro “Niilismo, Criação, Aniquilamento: Nietzsche e a filosofia dos extremos” do Prof. Dr. Clademir Araldi, “O artista trágico e a superação do pessimismo”.

Outros artigos que tratam do tema estudado são:

“ARALDI, C. L. .O conflito trágico entre arte e verdade no pensamento de Nietzsche. Revista Trágica: Estudos sobre Nietzsche  – 2º semestre de 2008 – Vol.1 – nº2 – pp.37-52”.

“ARALDI, C. L. .O pessimismo em O Nascimento da Tragédia de Nietzsche. Dissertatio (UFPel), Pelotas, v. 7, 1998”.

“ARALDI, C. L. . O simbolismo das criações apolíneas e dionisíacas. Uma análise crítica da estética do jovem Nietzsche. Reflexão (PUCCAMP), v. 1, p. 51-65, 2009”.

“ARALDI, C. L. . As criações do gênio - Ambivalências da"metafísica da arte" nietzschiana. Kriterion (UFMG. Impresso), v. L, p. 115-136, 2009”.

Aforismo 262 - O demônio do poder.
“Não é a necessidade, nem a cobiça – não, o demônio dos homens é o amor ao poder. Seja lhes dado tudo, saúde, alimento, habitação, distração – eles continuam sendo infelizes e caprichosos: pois o demônio insiste em esperar, ele quer ser satisfeito. Seja-lhes tirado tudo, mas satisfaça-se a ele: então serão felizes.” (AU §262).

Com essa passagem Nietzsche coloca bem a nossa frente a ânsia do ser humano pelo poder. Aqui está contido o germe do conceito de vontade de poder, dizendo que tal ânsia seria a motivação principal para todas as ações, tanto orgânicas quanto inorgânicas, ou seja, todo o cosmos almeja o poder. Quando nos referimos a cosmos temos a intenção de englobar tudo que existe, como por exemplo, a religião ou a política, porém, quando se trata de política tal posicionamento não é inusitado dentro da filosofia, basta recordarmos de Maquiavel.
Em Aurora Nietzsche coloca as forças existentes no cosmos como possuidoras de um movimento de conservar o poder já existente e o expandir, com isso ele enxerga a luta pelo poder desvinculada ao juízo de valor moral. Podemos notar até mesmo certo fatalismo, as coisas acontecem dessa forma e cabe a nós participar desse movimento.

Neste aforismo Nietzsche afirma a existência de pois tipos de poder. O primeiro, sendo exatamente criticado por Nietzsche e tido como negativo para a vida, visando o aniquilamento, a destruição de forma agressiva, tal comportamento geraria decadência e niilismo, se daria através do abuso do poder. O segundo, sendo o que nosso filósofo aponta como o comportamento mais positivo e benéfico ao ser humano, tem como meta um progresso pela superação de algo que nos é oposto, um poder em função da vida e do crescimento. Nietzsche trata novamente desse tema no prólogo de O Anticristo (1888) e escreve:

“O que é bom? – Tudo o que eleva o sentimento de poder, a vontade de poder, o próprio poder no homem.
O que é mau? – Tudo o que vem da fraqueza.
O que é felicidade? – O sentimento de que o poder cresce, de que uma resistência é superada.”

terça-feira, 5 de junho de 2012

A concepção de grande política em Humano, demasiado Humano e Aurora.


Autor: Sdnei Pestano

Nosso objetivo neste breve texto é observar o contexto no qual ocorrem as primeiras aparições do conceito de grande política. Dessa forma trabalharemos o período compreendido entre as obras Humano, Demasiado Humano (HH – 1878) e Aurora (A – 1881). Como consequência das conclusões almejadas, pretendemos desvincular essa noção do conceito propriamente dito de grande política, que é adotado pelo autor em seu período tardio.
Antes de entrar propriamente na análise em questão é necessário efetuar uma breve ressalva: partimos da pressuposição de que em Aurora e Humano não estão presentes os conceitos fundamentais para a grande política do período tardio, tais como vontade de poder e transvaloração.
Iniciemos a tratar desta noção na obra de 1878. A ela é dedicado apenas um aforismo, denominado A grande política e suas perdas (Grosse Politik und ihre Einbussen), no qual o autor descreve as consequências prejudiciais das guerras. O verdadeiro tributo pago por um povo em uma guerra é a perda das individualidades mais talentosas. Neste contexto, o autor afirma:

“um povo que se dispõe a praticar a grande política e a garantir uma voz entre os Estados mais poderosos não experimenta suas maiores perdas onde geralmente as encontramos. É verdade que a partir desse momento ele sacrifica muitos dos talentos mais eminentes no “altar da pátria” ou da ambição nacional, quando previamente, antes de serem devorados pela política, esses talentos tinham outras esferas de ação diante de si.” (HH, §481).

A grande política significa uma política que pretende ir além dos domínios territoriais de um Estado ou de uma Nação. O que está em jogo é se vale a pena sacrificar em nome desta política, que em última instância resulta na guerra, as maiores individualidades de um povo. Nietzsche observa que, com o aumento do sentimento de poder coletivo, desejado por um Estado expansionista, há também a eliminação da possibilidade de existência dos rebentos mais nobres de um povo.
Devemos perceber que neste aforismo o filósofo errante não nos fornece uma resposta a sua pergunta. A resposta que encontramos está no aforismo 477, no qual a guerra é entendida como fomentadora e renovadora da energia de um povo:

“por enquanto não conhecemos outro meio que pudesse transmitir a povos extenuados a rude energia do acampamento militar, o ódio profundo e impessoal, o sangue-frio de quem mata com boa consciência, o ardor comum em organizar a destruição do inimigo, a orgulhosa indiferença ante as grandes perdas, ante a própria existência e a dos inimigos, o surdo abalo sísmico das almas, de maneira tão forte e segura como faz toda grande guerra: os regatos e torrentes que nela irrompem, embora arrastem pedras e imundícies de toda espécie e arrasem campos de tenras culturas, em circunstâncias favoráveis farão depois girar, com nova energia, as engrenagens da oficina do espírito” (HH, §477).
Neste contexto a guerra seria um mal capaz de permitir que uma cultura desgastada renove suas forças. Isso não significa defender que Nietzsche seja um mero entusiasta da guerra. Devemos prestar atenção nas nuances do texto citado. Primeiramente, o autor afirma que a guerra está no cerne das grandes culturas e que ela é capaz, somente quando há condições favoráveis, de garantir não apenas a renovação de uma cultura, mas também a sua própria existência; em última instância, “dela o homem sai mais forte, para o bem e para o mal” (HH, §444). Não se trata de uma apologia, mas sim de uma descrição da possibilidade do fenômeno guerra. Ela é descrita na obra em seus aspectos positivos e negativos para a cultura e para os indivíduos. Defendemos assim, que não há uma contradição. Nietzsche está descrevendo o mesmo fenômeno através de perspectivas diferentes.
Em Aurora, o impulso mais forte que impele à grande política é “a necessidade do desenvolvimento do poder” (A, §189). Tal sentimento aflora de todas as camadas sociais de um povo:

“então os sentimentos esbanjadores, sacrificadores, esperançosos, confiantes, fantasiosos, mais-que-temerários, emanam em tal profusão que um príncipe ambicioso ou astutamente precavido pode deslanchar uma guerra e atribuir seu crime à boa consciência de um povo” (A, §189).

No cerne desse sentimento de poder está a capacidade de atribuir a si próprio aquilo que é bom. Através dele é possível realizar atos que agora são entendidos como benéficos, mas que, no entanto, antes eram vistos como criminosos e cruéis. Isto porque não é apenas ao príncipe que esse acúmulo de poder é atribuído, mas também ao povo. Podemos interpretar aqui o primeiro passo para o modo nobre de valoração. Estes indivíduos concebem a si mesmos o direito de atribuir àquilo que fazem a qualidade de bom.
Podemos agora traçar um paralelo no que se refere à noção de grande política nas duas obras. Em ambas, a grande política está estreitamente relacionada à guerra. Porém, no primeiro texto trabalhado, a guerra é vista como um subterfúgio para uma cultura desgastada, enquanto na última ela é vista como consequência do acúmulo do sentimento de poder. Devemos destacar que, em nenhum dos casos, Nietzsche está afirmando algo vindouro, assim como ele fará no período tardio, mas sim algo presente na própria história e que não pode ser retirado completamente da vida.
Em nossa perspectiva não é possível falar de uma grande política do espírito livre referindo-se ao período compreendido pelas duas obras. Num póstumo de 1876-78, Nietzsche ressalta o desinteresse necessário ao espírito livre no que concerne à política:

“Die 10 Gebote des Freigeistes.
(...)
Du sollst keine Politik treiben”.[1]
Concluímos, então, que Nietzsche não possui, nem mesmo de forma latente, a noção de grande política do período tardio. Por mais que aceitemos que a postura do espírito livre, enquanto inoculador de algo novo, na sociedade decadente dos espíritos cativos, possa ter uma consequência política, estamos muito distantes de uma proposta política como a que será observada no período tardio[2].
Karl Löwith nos fornecesse uma reflexão muito cara ao nosso tema quando comenta o aforismo 190 de Aurora:

“para él [Nietzsche] el Estado de Bismarck constituía la “extirpación alemán en favor del Imperio de Alemania”. El mismo Bismarck había sido “membro de uma asociación estudantil” y su “era” regía como la época de la “estupidez alemana”. Bismarck estrechó el espírito de Alemania, convirtiéndolo en espíritu nacional; obligó a que los alemanes se dedicaran a la gran política. De esse modo los gravó com un formidable império y poderio, por cuyo motivo el Pueblo alemán sacrificó sus antiguas virtudes” (2008, p.393-394).

Esta concepção de grande política pode ser exemplificada na guerra franco-prussiana de 1870, na qual o próprio Nietzsche participou como enfermeiro. Nela o filósofo percebeu as perdas que uma guerra de tal proporção pode acarretar. Para reforçar nossa hipótese, recorremos a um póstumo de 1880-1881:

“faço abstração do interesse e da vaidade dos indivíduos e dos povos: mas a necessidade de sentir em si um poder, de deixá-lo brotar dos sentimentos de prodigalidade, da aceitação do sacrifício, da fantasia imaginativa – isto é o que conduz a grande política como um transbordamento de águas poderosas. Age-se então contra o seu interesse, contra a sua vaidade [pois se está talvez obrigado a realizar as tarefas servis para assegurar à nação o seu sentimento de poder, e a colocar em risco sua vida, riqueza, honra] [virtude]” (IV 4[247]428).[3]

De forma alguma poderíamos pensar a grande política do período tardio apoiada em uma subserviência do indivíduo ao sentimento de poder da massa. Nietzsche está trabalhando com o desprendimento do indivíduo em relação a si próprio quando ele é tomado por um sentimento de poder que o massifica. É através desta massificação de si que o indivíduo sente o aumento de poder. Em nome deste sentimento é que a “massa está disposta a empenhar sua vida, seus bens, sua consciência, sua virtude, para dar a si mesma tal fruição suprema e, como nação vitoriosa, tiranicamente arbitrária, dominar as outras nações” (A, §189).
Não abordamos a questão de como Nietzsche entende a grande política em seu período tardio, porém pensamos ter demarcado bem a noção de grande política nas obras em que nos propomos trabalhar. Reforçamos que, em ambas as obras, uma determinada postura política está sendo descrita, e que o termo não pode ser analisado com vistas a dar uma definição de uma possível proposta política de Nietzsche no período intermediário.

Referências Bibliográficas (Básicas):
NIETZSCHE, Friedrich Wilhelm. Humano, demasiado humano: um livro para espíritos livres. São Paulo: Companhia das letras, 2005.
NIETZSCHE, Friedrich Wilhelm. Aurora: reflexões sobre os preconceitos morais. São Paulo: Companhia das letras, 2004;
LÖWITH, Karl. De Hegel a Nietzsche: la quebra revolucionaria del pensamento en el siglo XIX. Buenos Aires: Katz editores, 2008.



[1] “Os 10 mandamentos do espírito livre: tu não deves fomentar nenhuma política” (Trad. nossa).
[2] Poderíamos ainda nos perguntar se os espíritos livres são capazes de fomentar no campo individual aquilo que a grande política e a guerra são capazes, por que então Nietzsche nos coloca diante da difícil pergunta do aforismo 481 de Humano?
[3] Trad. de Noéli Correa de Melo Sobrinho.