Reunião do dia 01 de Junho de 2012
Livro IV
Aforismo 239 - Indicação para
moralistas
Em “O Nascimento da Tragédia a
partir do espírito da Música” (1872) Nietzsche defende a tese de que
existia nas peças do Ésquilo e de Sófocles um teatro
grego verdadeiramente trágico e esse teatro era trágico porque tinha
sempre à sua frente o Deus Dionísio. Nessa temática o filósofo passa a investigar o
papel do coro na tragédia e narra que eles sempre estavam presentes como
entusiastas dionisíacos inebriados pelo vinho que cantavam e dançavam em
homenagem ao deus Dionísio. Tal teatro trágico estava diretamente vinculado à
religião dionisíaca, o coro era dionisíaco e o espetáculo também, porém, depois
de Ésquilo e Sófocles a tragédia perde o elemento dionisíaco e vai começar a se
vincular, segundo a tese de Nietzsche, com o racionalismo socrático através
de Eurípedes e
passa a produzir mais “dramalhões”. É importante dizer que Wilamowitz-Moellendorff, sendo ele o maior tradutor de
Eurípedes na Alemanha, discorda da tese de Nietzsche. Na sequência dos fatos
vem o cristianismo e somente com o passar de 1500 anos a música começa a se
libertar da religião. Nietzsche se depara com Richard
Wagner e então o filósofo enxerga no compositor uma retomada e um
resgate do dionisíaco, percebe que Wagner é capaz de ir ao fundo da cultura
alemã e a partir de então é capaz de compor obras grandiosas.
Posteriormente Nietzsche rompe com Wagner e cada vez
mais vai percebendo que se equivocou a respeito do compositor e que suas composições
de dionisíacas não tinham nada, nem bebeu tanto quanto imaginava da alma do
povo alemão e chega à conclusão de que Wagner era no fundo um cristão e, por
conseguinte sua música era uma música decadente.
É válido lembrar que tal rompimento se dá em “Humano,
demasiado humano” (1878), e a partir de então, em seus livros posteriores,
ele narra sua visão de arte enquanto vinculada com a fisiologia. Em “Aurora”
(1881) Nietzsche descreve que no ato da composição o compositor expõe sua
própria alma e que essa mesma alma está cada vez menor e mais barata, logo, uma
arte que esteja vinculada não com o todo, com a cultura, mas com o indivíduo,
com a subjetividade e com o estado físico do criador ela pode ser fraca ou no
mínimo frágil, ela vai ser imagem e semelhança do criador e se o criador é fraco
a obra é fraca e o que Nietzsche descreve é que de fato a alma dos artistas
está cada vez menor.
Vale lembrar que o próprio Nietzsche era compositor,
produzindo mais de 300 obras, portanto ele conhecia muito bem o universo da
música e ele escreve:
“Oh, se nossos pensadores tivessem ouvidos para
escutar dentro da alma de nossos compositores, mediante sua música! Quanto
tempo será preciso esperar, até que se tenha novamente uma oportunidade como
esta de flagrar o homem interior numa má ação e na inocência desta ação! Pois
os nossos compositores não suspeitam minimamente que colocam em música a sua
própria história, a história do enfeamento da alma. Antes o bom compositor era
quase obrigado a tornar-se um bom homem por causa de sua arte – E agora!”
Indicações de leituras:
Mestre e Doutor
em Filosofia pela UNICAMP, Wander Andrade de Paula, intitulado "Sócrates
e a polêmica sobre o nascimento da tragédia".
Segue o link: http://revistaitaca.org/versoes/vers13-09/129-144.pdf
Indico também o segundo capítulo do livro
“Niilismo, Criação, Aniquilamento: Nietzsche e a filosofia dos
extremos” do Prof. Dr. Clademir Araldi, “O artista trágico e a superação do
pessimismo”.
Outros artigos que tratam do tema estudado são:
“ARALDI, C. L. .O conflito trágico entre arte e verdade no pensamento de Nietzsche.
Revista
Trágica: Estudos sobre Nietzsche – 2º
semestre de 2008 – Vol.1 – nº2 – pp.37-52”.
“ARALDI, C. L. .O pessimismo em O Nascimento da Tragédia de Nietzsche.
Dissertatio (UFPel), Pelotas, v. 7, 1998”.
“ARALDI, C. L. . O simbolismo das criações apolíneas e dionisíacas. Uma
análise crítica da estética do jovem Nietzsche. Reflexão (PUCCAMP), v. 1, p.
51-65, 2009”.
“ARALDI, C. L. . As criações do gênio - Ambivalências da"metafísica da arte" nietzschiana. Kriterion (UFMG. Impresso), v. L,
p. 115-136, 2009”.
Aforismo 262 - O demônio do
poder.
“Não é a necessidade, nem a cobiça –
não, o demônio dos homens é o amor ao poder. Seja lhes dado tudo, saúde,
alimento, habitação, distração – eles continuam sendo infelizes e caprichosos:
pois o demônio insiste em esperar, ele quer ser satisfeito. Seja-lhes tirado
tudo, mas satisfaça-se a ele: então serão felizes.” (AU §262).
Com essa passagem Nietzsche coloca
bem a nossa frente a ânsia do ser humano pelo poder. Aqui está contido o
germe do conceito de vontade de poder, dizendo
que tal ânsia seria a motivação principal para todas as ações, tanto orgânicas
quanto inorgânicas, ou seja, todo o cosmos almeja o poder. Quando nos referimos
a cosmos temos a intenção de englobar tudo que existe, como por exemplo, a
religião ou a política, porém, quando se trata de política tal posicionamento
não é inusitado dentro da filosofia, basta recordarmos de Maquiavel.
Em Aurora Nietzsche
coloca as forças existentes no cosmos como possuidoras de um movimento de
conservar o poder já existente e o expandir, com isso ele enxerga a luta pelo
poder desvinculada ao juízo de valor moral. Podemos notar até mesmo certo
fatalismo, as coisas acontecem dessa forma e cabe a nós participar desse
movimento.
Neste aforismo Nietzsche
afirma a existência de pois tipos de poder. O primeiro, sendo exatamente criticado por
Nietzsche e tido como negativo para a vida, visando o aniquilamento, a
destruição de forma agressiva, tal comportamento geraria decadência e niilismo,
se daria através do abuso do poder. O segundo, sendo o que nosso filósofo
aponta como o comportamento mais positivo e benéfico ao ser humano, tem como
meta um progresso pela superação de algo que nos é oposto, um poder em função
da vida e do crescimento. Nietzsche trata novamente desse tema no prólogo
de O Anticristo (1888) e escreve:
“O que é bom? – Tudo o que eleva o
sentimento de poder, a vontade de poder, o próprio poder no homem.
O que é mau? – Tudo o que vem da
fraqueza.
O que é felicidade? – O sentimento de
que o poder cresce, de que uma resistência é superada.”